Por essas coincidências do destino, há meses havíamos combinado uma viagem com nossa filha, genro e neta. Na véspera do embarque nos deslocamos para a Capital, passando sobre a ponte do Rio Taquari, em Mariante, que rugia.
Poucas horas depois, pelo que soubemos, a estrada ruiu.
O embarque no aeroporto foi normal e, felizmente, deixei o carro na garagem da filha, em Porto Alegre.
Durante a viagem, passamos a acompanhar as notícias da tragédia que se abateu sobre o Estado. Quase impossível acreditar em tantos estragos e desolação.
Notável o esforço e dedicação dos voluntários no resgate dos atingidos pela cheia.
Em um dos vídeos do YouTube vi o deputado Edivilson Brum mostrando o Rio Pardo quando a antiga e centenária ponte foi arrancada pela força das águas.
Lembrei-me da eleição que presidi em 1982 em Rio Pardo que, face à grande cheia, precisei da ajuda do exército para transportar mesários e eleitores de um lado a outro do rio, enquanto a nova ponte permanecia inacessível durante anos por falta de construção dos acessos, como contei em outra crônica (“A ponte aérea e a eleição debaixo d’água”).
Ninguém imaginava a extensão da tragédia, a falha das comportas e bombas, transformando a Capital em uma grande piscina. Por fim havia mais água dentro de Porto Alegre do que no rio, abrindo-se as comportas para escoar a água.
Quem imaginaria um aeroporto submerso? Não havia como retornar a Porto Alegre.
A empresa aérea propôs trocar a passagem para Jaguaruna, SC, aeroporto mais próximo e acessível ao Estado. Sobrevoamos durante meia hora o aeroporto, mas o avião não conseguiu pousar, retornando a Guarulhos.
À tarde tentamos novamente e, finalmente, colocamos o pé em terra. Com ajuda de amigos chegamos a Xangrilá, onde aguardamos por uma semana, até que fosse possível resgatar o carro e retornar a Santa Cruz, fazendo longo percurso.
No caminho as marcas da tragédia que se abateu sobre o Estado, devastando bairros e cidades.
Havia deixando prontas as crônicas semanais, só agora tendo oportunidade de tratar do assunto.
Vi que minha terra, Candelária, continua isolada, teimando os conterrâneos em manter uma passagem sobre o restos da ponte. O exército construiu uma passagem de pedestres na Prainha e o os prefeitos anunciam a possibilidade de acessar a cidade através de Albardão.
A solidariedade do povo brasileiro e de governos de outros Estados foi marcante nessa hora difícil, enquanto muitos apenas tentavam se aproveitar para obter dividendos políticos.
Vendo Porto Alegre submersa e os estragos na região do Vale dos Sinos, Taquari e Rio Pardo, lembrei-me de uma história sobre os primeiros imigrantes.
Após se assentarem na margem do rio, tentaram estabelecer contato com os ferozes nativos da outra margem. Aproximaram-se, deram presentes, contaram sua história de miséria na Europa e meio se desculparam, por ocupar terras dos indígenas.
Estes responderam com sabedoria ancestral:
– Essas terras não são nossas. São das águas…