Dizer que é possível tirar lições em toda tragédia soa piegas, simplista, conformista. Ao longo desta crise sem precedentes, no entanto, travamos contato com inúmeros exemplos inspiradores. Milhares de pessoas ignoraram riscos de todo tipo para mergulhar – literalmente! – no esforço em ajudar. Quase sempre os beneficiados eram desconhecidos sob e risco de vida.
Tenho o privilégio de conviver com amigos “fora da curva”. São pessoas abnegadas, valentes diante da intempérie, encarando frio e correnteza para ajudar. Dois amigos em especial me emocionaram diariamente ao longo desta tragédia.
Fabiano Geremia é um destemido piloto de jet sky nascido em Dois Lajeado. Durante um mês ele encarou o rio Guaíba incansavelmente. Resgatou centenas de pessoas e animais, correu risco de vida diante da violência das facções criminosas que comandam comunidades da Região Metropolitana.
As histórias que colecionou ao longo das cheias são recheadas de curiosidades e tocantes lições de vida. Ele relatou um episódio envolvendo um morador de Eldorado do Sul que insistia no resgate de um gato desconhecido. Quando finalmente o felino subiu a bordo, Fabiano notou que tanto o gato quanto o resgatado não tinham um olho.
Meus dois amigos inspiram e fazem acreditar que ainda há esperança para a humanidade
Já Fábio Pilger é um colega de trabalho que se transformou em irmão. Tamanho espírito de solidariedade emociona. A casa, que ele mesmo construiu em parceria com a mulher, a enfermeira Bruna, foi totalmente coberta pelas águas em São Leopoldo.
Sem tempo para lamentar, orientou equipes de resgate vindas de vários Estados. O rio dos Sinos é seu quintal há décadas. Logo no início Fábio resgatou um vizinho. Teve que arrombar um cadeado com pé-de-cabra, Ao entrar na residência deparou com um homem de 74 anos, cego, agarrado a uma cômoda, com água na altura do peito. Fábio levou o vizinho no colo até a canoa mais próxima.
Como Fabiano e Fábio, milhares de gaúchos e brasileiros de vários pontos do país “correram em direção ao perigo”. Esta é a diferença dos que “congelam” diante da tragédia daqueles que encaram a fúria das águas com destemor e solidariedade.
Machuca ver residências e lembranças devastadas. Dói assistir famílias em busca de parentes, mas consola saber que no meio da tragédia emergem seres realmente humanos. Meus dois amigos inspiram e fazem acreditar que ainda há esperança para a humanidade.