Os sábios dizem que a única coisa nesta vida que não muda é que tudo está sempre mudando. Tenho pensado nisso ultimamente. Em especial, depois de certas experiências, ao sair para as comprinhas rotineiras.
Sempre ouvi dizer que o cliente deve ser tratado como aquele que está com a razão – mesmo se o caso é duvidoso. Tinha isso como cláusula mais ou menos definida e achava que o comprador contava com uma vantagem colossal. Bom, o que vejo agora é o cliente ganhando pontuação extra. Subiu de status. Não tem razão apenas. Ele passou a habitar o coração da equipe comercial.
Ao ingressar na loja, não perguntam nosso nome, nem nos dispensam o título de Senhor, Senhora. Agora nos chamam de “meu bem” ou “meu amor”.
Isto mesmo! Somos promovidos a donos da afeição de alguém, logo de cara. Nem é preciso fazer nada. É só cruzar a porta do estabelecimento.
Nesses dias tive uma overdose de doçura. Entrei numa farmácia e imediatamente fui obsequiada com um “meu amor”. Isso – veja só – que eu queria apenas saber o preço de um vidrinho de colírio. Como a consulta ao sistema demorasse para dar o resultado, a atendente quis amenizar a espera e ofereceu a lista de produtos com desconto. Ressaltou que os preços eram mesmo bárbaros. “Meu bem”, você devia aproveitar – ela recomendou com voz suave. Ao sair da loja, vendo que não tinha comprado nada, outra zelosa funcionária quis saber se “meu amor” tivera bom atendimento.
Quase não aguentei tanto carinho.
Não sei você, mas eu estranho essa nova técnica de vendas.
Quando sou chamada de “meu amor” por alguém que eu nunca vi e, provavelmente, jamais voltarei a ver na minha vida, tenho um chilique. Às vezes consigo disfarçar o susto; em outras, salta fora a velha professora de linguagem e eu me rebelo.
O significado das palavras e das expressões pode ser mudado, é bem verdade. As línguas são dinâmicas e aceitam palavras e sentidos novos o tempo todo. O que me desagrada não é isso. É a banalização do afeto. Parece que as expressões de amor ficam deliberadamente esvaziadas de sentido. Chega-se ao ponto de “meu amor” não querer dizer mais nada. Comete-se uma espécie de saque ao carinho que a expressão pode conter. “Meu bem” e “meu amor” tornam-se falas de afetividade zero.No meu caso, em vez de soar como um acolhimento bom, tenho sensação desconfortável. É como se eu caísse por engano bem no meio da encenação de uma peça de teatro.
Sim, estou por fora das novidades. Ignoro as modas. Sou das antigas. Mas não se engane. Marchar de passo errado, de vez em quando, é uma delícia.