Eu venho de uma geração onde as coisas nunca foram tão disponíveis ou acessíveis. Amava ouvir música, mas os vinis eu comprava juntando pilas. Até chegar lá, namorava as capas dos vinis nas lojas ou buscava algum disco esquecido, perdido nos cestos de descontos. Era assim que eu conseguia um certo equilíbrio, em minha ansiedade juvenil. E hoje? Imagino como agem os jovens ou meus parceiros veteranos na sociedade de consumo que, de certa forma, nos brinda com as portas do prazer e consumo instantâneos. Todos viramos “clientes especiais”.
Se eu desejo um som novo, está direto em vídeo no YouTube Music, ou plataformas tipo Spotify e outros. E essa ânsia, essa facilidade leva a estourar nossos limites de dopamina – esse neurotransmissor que, a partir do sistema nervoso central, banha o organismo de todos os mamíferos em pura sensação de prazer e satisfação. É ela que nos impulsiona como vício a um consumo quase descontrolado, semelhante ao nosso cãozinho de estimação que abana a cauda em êxtase quando oferecemos aquela ração extra sabor artificial de carne.
Tive uma colega, em tempos passados, que consumia desenfreadamente e, até chegar ao equilíbrio, precisou de muito remédio tarja preta e psicanálise. Lembro daqueles olhos vidrados, viciados em consumo extremo. Então, antes de atingirmos esse pico doentio, recomendo a leitura de “Nação Dopamina”, assinado pela psiquiatra norte americana Anna Lembke que relata, em impressionante pesquisa, a crise dos vícios modernos que não incluem drogas externas, mas aquele produto químico produzido pelo próprio corpo, a dopamina.
A autora nos leva a refletir sobre os exageros modernos que – ao contrário de meus dias passados – onde o acesso as coisas que eu curtia levavam um tempo quase próximo a eternidade, hoje nos oferecem, quase como imposição, diversão, compras ou sexo. Está tudo no pacote assinado digitalmente, ou não. Quantas vezes você, leitor, se vê obrigado a bloquear certos números que te oferecem, não apenas os golpes do crime organizado, mas produtos variados, “dopamina digital 24 horas por dia”, ressalta a psiquiatra em sua pesquisa sobre o preço altíssimo de sermos governados “pela próxima dose”.
Eu controlo as minhas crises consumistas, estimuladas por toda essa oferta instantânea, me concentrando em trabalhos manuais, pequenos reparos domésticos ou cozinhar que me exigem algum tipo de concentração. Ouvir música também afasta essas tentações imediatistas ao conduzir para uma liberação da uma deliciosa “dopamina do bem”.
Afinal, escuto vinis comprados a base de alguma espera e que resultaram em prazer, sem aflição ou ansiedade, a partir do contato da agulha no sulco aberto a um tango, um samba raiz, música clássica ou, ainda mais efetivo, às minhas bandas favoritas de rock. Tudo em perfeito equilíbrio, aliás, feliz com os pequenos e saudáveis eventos cotidianos. O resto, diria o rei Roberto Carlos: “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”.