Gosto desta época de jacarandás floridos. Admiro a capa lilás-azul que quase esconde a calçada, na rua por onde caminho de manhã. É tão bonito que me vem uma bruta pena de esmagar as flores caídas ali à minha frente.
Nesses dias, cruzei com o rapaz encarregado de varrer, ajuntar e fazer sumir o tapete espalhado pelo chão.
Pensando na tarefa ingrata de liquidar com a beleza desta rua, puxei conversa com o moço. Se não era o caso de ele parar de varrer o trecho e deixar as flores ali mesmo – ponderei. O rapaz concordou de imediato.
– É um esforço que não vale a pena, Dona! Logo vai estar sujo de novo. Não devia varrer mesmo.
Opa! Não era isso que eu estava pensando. Eu admirava o chão todo colorido e o rapaz pensava nesse esforço repetido todo o dia, do qual ele com razão gostaria de se livrar.
O descompasso de entendimento me deu um tranco. Um choque de realidade.
Fui caminhando adiante, me sentindo como aquele sapo referido em um provérbio japonês. Aquele que, acomodado no banhado, nem sonha que o oceano existe.
Enquanto eu penso em poesia, o rapaz mira no esforço de varrer tudo de novo, cada santo dia. Enquanto eu olho as cores espalhadas pelo chão, ele só quer completar o seu trabalho. Nem lhe ocorre isso de admirar as flores derrubadas pelo vento que soprou de madrugada.
O tranco teve como resultado me lembrar que vale a pena ampliar o raio de visão. É tolice pensar que a realidade se resume àquilo que eu enxergo de primeira. O meu jeito de encarar as coisas contempla apenas uma parte. Para abarcar a realidade inteira, é preciso muito mais que isso.
Querendo ou não, tenho de admitir que o mundo é colorido. Vai além do contraste do preto com o branco.
Agora, olhando para o cenário político e social em que nossas vidas se recortam, vem a propósito reconhecer que é fácil nos enganarmos, como me aconteceu na calçada dos jacarandás. É fácil de cair na simplificação: ou somos a aposentada que admira as flores ou o varredor cansado de varrer. Quer dizer, quando aplicamos a lupa de uma lente apenas, ficamos míopes. Pior ainda fica, se pensarmos que de um lado os bons fazem fileira e do outro, os maus se encontram agrupados. É meio pobre isso de pensar que o reduto dos lobos e dos cordeiros se localizam em pontos separados: uns aqui, outros, ali. A vida não é assim. A voracidade do lobo e a brandura do cordeiro dividem o espaço até dentro de nós mesmos. Gosto dos jacarandás e reconheço a necessidade de varrer a rua.
A experiência mostra que temos de ficar de olho vivo. Nada de pendurar o cérebro no cabide junto do chapéu.
Uma forma mais ampla e generosa de interpretar as coisas pode ajudar mais. Melhor não desprezar o calo que aperta o sapato do varredor nem desdenhar o olhar da velhota que contempla as flores.
“Existe o certo e o errado e todo o resto” – dizia Cazuza.