Quando assumi um das varas da comarca a situação estava meio fora de controle. Um dos escrivães havia sido afastado e continuava recebendo a renda do cartório. Havia ocorrido alguns problemas internos no fórum, havia muita insegurança dos serventuários e os processos estavam acumulados.
Nas visitas de praxe às autoridades municipais, solicitei ao Delegado de Polícia que me mandasse uma lista de trinta nomes dos que intranquilizavam a comunidade. Ante a surpresa do delegado, expliquei-lhe que não teria condições de instruir e julgar todos os processos pendentes. Assim iria marcar as audiências pela ordem de relevância e priorizar um processo de cada acusado.
No dia seguinte veio a lista e mandei separar os processos daqueles acusados, escolhendo um para dar preferência. Se os acusados tinham vários crimes, decretei a prisão preventiva e os recolhi ao presídio. O interessante é que um acusado, que havia estuprado as duas filhas, no dia seguinte estava a família toda na porta do fórum implorando por sua soltura!
Mandei cortar a renda do escrivão afastado, mesmo ante suas argumentações como irmão de alta autoridade. Com a decisão superior de que o substituto teria um terço, o ex-titular um terço e o restante ficaria depositado para seu benefício, caso fosse inocentado, determinei que a renda fosse aplicada na aquisição de equipamentos para melhorar o cartório e na melhor remuneração dos funcionários.
Naquele período não havia defensor público e era um risco o advogado entrar no fórum, pois sempre havia um datilógrafo “cassando” um defensor para atuar na audiência. Conversei a respeito com o prefeito, com o qual mantinha ótimas relações, solicitando que contratasse um advogado para atuar na defesa dos necessitados. Coincidentemente era uma pessoa que havia passado por problemas pessoais e das relações do prefeito. Sua atuação como defensor dativo foi ótima para os serviços judiciários.
No primeiro Júri que foi nomeado para atuar, procurou-me apavorado. Como eu era professor de Direito Penal, passei algum tempo passando-lhe informações e orientações como proceder, convencendo-o que seria ótimo para seu conceito como defensor. Foi adquirindo experiência de Tribunal do Júri e acabou tornando-se causídico muito procurado para defesas perante o Júri. Num desses tive que livrá-lo da fúria dos colegas, taxistas como a vítima, que não admitiam que tivesse assumido a defesa do réu. A seu pedido, no encerramento do julgamento, fiz muitos agradecimentos a ele por ter aceitado o meu pedido de defender o réu, pois nenhum advogado da cidade aceitara e não poderia haver o julgamento sem um defensor. Só assim foi possível julgar o réu e fazer justiça.
Para quem atuou nessa área do Judiciário é quase inacreditável o que de surpreendente pode surgir em uma audiência criminal. Numa dessas ocasiões eu estava colhendo depoimento de uma mulher vítima de estupro. Os dois acusados já eram conhecidos pela prática de pequenos furtos, porém a acusação de estupro era novidade em seu “currículo”.
Pedi que a ofendida narrasse livremente os fatos como tinham ocorrido.
Segundo ela, os dois réus, que eram irmãos, a haviam arrastado até um campo fora da cidade onde a tinham estuprado, sob a ameaça de uma faca. Fui solicitando detalhes para melhor esclarecer a participação dos dois acusados. A certa altura ela me disse que um deles tinham ido à cidade buscar comida e bebida para eles, permanecendo ela em poder do outro. Instada a explicar como ocorria o contato sexual, disse-me que a faca ficava ao lado enquanto mantinha a relação. Comecei a desconfiar da narrativa e questionei-a sobre vários detalhes e se já conhecia os réus. Notei que ela parecia mostrar alguma afetividade por um dos acusados e repulsa pelo outro. Por fim não resisti e a questionei sobre a qualidade da relação mantida com um e com o outro. Ela respondeu imediatamente com absoluta sinceridade:
– Ah, o Luís é muito melhor!
Acabei absolvendo os réus da acusação.