Cabia ao Juiz fiscalizar e inspecionar os cartórios, o que deveria fazer anualmente. A maioria dos juízes não gostava muito e a inspeção do juiz era o terror dos oficiais, pois imaginavam ou temiam que fosse encontrada alguma coisa errada.
Havia, ainda, as inspeções por juízes corregedores da Capital e eram muitas as determinações verbais. Eu sempre orientava meus funcionários que só cumprissem o que constasse na ata, devidamente assinada, pois era comum mudar a orientação a cada corregedor. Tudo que eu determinava eu o fazia por escrito e assinado, pois juiz tem costas largas, ao contrário do funcionário…
No Registro de Imóveis foi criado o sistema de matrícula, em que cada imóvel recebia um número próprio e era descrito em uma ficha, com suas características e posteriores alterações e alienações. Isso facilitou sobremaneira o funcionamento e segurança dos registros. O surgimento da cópia reprográfica em papel comum foi tão importante como a descoberta da roda e acelerou todo o processo, muito antes da popularização do computador, pois era preciso datilografar as certidões.
A implantação de qualquer novo sistema certamente pode trazer alguns problemas. Em um Registro de Imóveis importante, para agilizar o processo, deixava-se para fazer depois o lançamento na matrícula, anotando-se no verso da escritura, e em um caderno, os dados a lançar. Foi necessário o Tribunal intervir e designar competente oficial para colocar as coisas em ordem, o qual levou anos para regularizar a situação.
A inspeção anual, que muitos não faziam, deixava os funcionários elétricos e desconfiados. Na minha pequena comarca havia ocorrido o incêndio de um cartório, o que obrigava a constantes processos judiciais de restauração e eu procurava cumprir com zelo minha obrigação.
Havia um município isolado, que pertencia à comarca onde eu jurisdicionava, e que fui inspecionar. Lá não encontrei o escrivão, mas a filha dele. Mandei procurá-lo e iniciei o exame dos livros. Qual não foi a surpresa. Pelo jeito fazia anos que o titular não entrava no cartório pois nascimentos, óbitos e até casamentos não tinham sua assinatura. Os livros de folhas soltas eram de folhas soltas mesmo, pois espalhadas por todo o cartório. As assinaturas eram colhidas para ser lavrada a escritura ou outro ato depois. Havia folhas em branco assinadas e espalhadas pelo cartório.
Quando localizado o oficial, verifiquei que se tratava de pessoa idosa, alquebrada e com uma grave doença. Pedi-lhe que nos próximos trinta dias permanecesse em tempo integral no cartório e assinasse todos os termos e registros lançados nos livros. Quando concluísse, fosse até a sede da comarca conversar comigo. Então concedi-lhe uma licença-saúde e pedi-lhe que encaminhasse sua aposentadoria.
Chamei um competente oficial de outra comarca, recém aposentado em outro serviço, e ofereci-lhe assumir temporariamente o cartório, auferindo sua renda, com o compromisso de realizar gratuitamente os serviços pendentes deixados pelo antigo oficial. Minha inspeção, mais do que oportuna, salvou muita escritura e até casamentos não sacramentados oficialmente, para desgosto, talvez, de alguns noivos. E juro que não é mentira.