Nós nunca trocamos versos, nem mesmo olhares furtivos. Tudo muito simples, tudo na base da parceria amiga. Não passeamos de mãos dadas feito bobos, nem rimos sem que ninguém entendesse a graça. Porque a graça é secreta. Transparente feito bola de sabão, mas somente os amantes a interpretam. Como não somos amantes, não há fantasia. No cinema, não te roubo beijos – cobrindo a visão de quem senta atrás – bem na hora em que o crime se elucida. Não somos esse tipo de gente chata, de paixão exibicionista.
Lembro que chegamos a comentar essa coisa de Dia dos Namorados. Em junho aqui – Invenção de publicitários – em fevereiro, no resto do mundo, Quem seria mais casamenteiro? O nosso Santo Antônio, ou São Valentim? Não te comprei presentes, nem uma flor sequer! Tampouco me destes aquela gravata bacana que, juntos, vimos em uma vitrine de shopping.
Não éramos namorados. Bons amigos apenas sugerem coisas que te deixariam bem vestido. Despir então? Jamais! Sai pra lá, que tu é minha amiga, eu teu conselheiro. Assim, nunca provamos abraços daquele jeito que tonteia e deixa os sentidos em níveis de intolerável excitação e que nos tiram – em segundos – a razão. Sempre animais racionais!
Tu me relatavas se o namorado da vez era ousado, ou careta demais. Ou se esquecia datas importantes e ainda deixava as cuecas emboladas no banheiro. Até teu pai reparara, certa vez. Que mico! Eu falava das manias de mulheres solteiras ou descasadas com quem saía. Detalhes tão pequenos que, ao contrário da canção do Roberto Carlos, logo eram esquecidos.
Nossa parceria era forte na hora das confidências. É verdade que as traições narradas, eram em muito menor número do que as bolachas de chope que o garçom contabilizava a cada crise. Mas aliviávamos o sofrimento, montávamos planos fantásticos de vingança que, invariavelmente, evaporavam junto a ressaca no dia seguinte. Quem ama não é rancoroso. Sofre calado. E amávamos demais!
Tanto que selecionávamos muito. Selecionávamos ao extremo. Nem eram questões físicas, mas o caráter, a capacidade de doação. E essa coisa de seleção, no amor, é prima-irmã da solidão quando se exagera nas medidas definidas de nossos manequins amorosos. A maioria de nossas paixões evaporava em pouco tempo em meio a névoa das mesmas desculpas vazias de quem nos abandonava.
Aquelas falas tipo prêmio de consolação. Tu és uma pessoa incrível, mas ainda não estavam prontos, blá, blá, blá!. Como alguém pode não estar pronto para alguém ou algo que jura ser muito bom. Então é ruim ser bom? Ah! Contradições. Deveria existir um Manual Criativo do Pé na Bunda! É claro, voltávamos às confissões regadas a chope. Sem choro, porque o tempo nos levara ao hábito do adeus. Era tanto pedido, de “vamos dar um tempo”, que os romances mais pareciam uma queda no vácuo.
O certo é que estamos aqui outra vez. Eu e tu, minha amiga. Sabemos tanto um do outro, que até parece lógica a proposta que me apresentas hoje, de ficarmos juntos como namorados, só para avaliar se é possível uma tentativa de algo além desta bela amizade. Até porque estamos engordando – somo quase alcoolistas – de tanto chope com fritas.
Eu topo a experiência. Se formos tão bacanas quanto dizem nossos ex-amantes, vamos adiante. Ao surgir qualquer problema, retomamos a antiga condição de confidentes de boteco – não para discutir a relação – mas para reafirmarmos a amizade, acima de tudo. Conhecemos cada detalhe, cada arapuca que montamos contra nós mesmos.
Até parece tese de autoajuda: uma boa relação precisa de amor e amizade. Seremos salvos pelo óbvio? De qualquer maneira gostei desta tua frase: “Vamos servir de cobaia às nossas próprias carências. Se saciarmos a fome de estima, já está bom”. Nada científico, o que é uma vantagem.

