A menina abraçou-se na pelagem úmida de seu cãozinho e disse que não sairia de casa sem ele. A chuva impiedosa encharcava a todos, as águas haviam invadido cada milímetro da humilde residência. Mas ela não arredou pé. Minutos depois, chegavam os manejadores da Secretaria Especial dos Direitos Animais, de Porto Alegre, a Seda e levaram os bichos de estimação da casa. E lá se foram todos aos abrigos indicados pela Defesa Civil.
De alguma forma evoluímos. Antigamente, as pessoas não tinham a mesma consideração com o que não fosse humano. O exemplo da menina das ilhas é um, entre outros tantos exemplos. Antes da Seda, em caso de cheias, onde ficariam os animais? Seriam entregues possivelmente à própria sorte, ou cuidados de forma precária por seus donos, ou por protetores independentes e organizações sem grande força de ação. Hoje, temos 320 cães e gatos resgatados e aos cuidados do município.
Tratar bem os bichos ajuda a criar um mundo também menos violento. Recentemente conversei com uma professora da rede municipal, Marta de Oliveira Prado, que faz um trabalho diferenciado com seus alunos, colegas e comunidade do bairro Restinga. Ela incentiva que sejam acolhidos cães de rua no pátio da escola no bairro Restinga. Até casinha ganham. E se surgirem interessados são doados sem problemas.
Na região desta escola, os alunos convivem com a realidade do tráfico e do consumo de drogas. Às vezes, dentro de suas próprias casas. O contato com os animais os ajuda a reduzirem suas manifestações de isolamento, agressividade e dificuldades cognitivas. Eles buscam o contato, o carinho dos bichos! “Crianças muito pequenas ingressam na escola e seus primeiros gestos de socialização são de extrema violência”, me relatou a professora.
Reproduzem com os animais a conduta de alguns de seus pais, onde a brutalidade e o menosprezo são a tônica. Isso muda quando passam a conviver uma rotina em que, sempre que possível, procura-se ressaltar a necessidade da tolerância e do respeito para se coexistir socialmente. Os animais de quatro patas ensinam a conter a ferocidade dos bichos que se acham superiores, só porque andam eretos, com suas patas calçadas. Grande coisa!

