Algumas vezes acordamos virados do avesso. O calor abafou tudo, nos tirou o ar da boca como uma mão imensa a cobrir um grito de socorro. Os trovões da tempestade que traria um clima assim, mais ameno, não aliviaram a pressão, que segue mesquinhando o oxigênio, entulhando a cabeça insone de maus presságios. Os dias e noite do El NIño tem sido assim, surpresas assustadoras a todo tempo. Na semana passada, os ventos varreram mil árvores em minha cidade, Porto Alegre.
Prédios foram descascados de seus janelões imensos de vidro, pedras decorativas voaram feito papel a espatifar-se nas ruas que, pelo adiantado da hora, tinham pouca gente e assim, não se relataram vítimas mais graves ou mortes. Mas observar os estragos, especialmente em bairros como o Menino Deus, onde cresci, me deixou muito triste.
Os eventos ruins são uma espécie de contaminação do 2015 que mal cerrou as portas. Um governo federal perdido em suas crises de identidade, um estado falido, cidades com recursos esparsos e, somado a tudo isso, uma folia desnecessária e cruel com recursos públicos. Eu disse folia? Gente, vem aí mais um carnaval! Teremos as festas possíveis, em muitas cidades, os desfiles acabaram prejudicados em função dos eventos climáticos praticamente incontroláveis.
E aí, em meio a tudo isso, leio os comentários das pessoas sobre o tempo, a inédita fúria dos ventos e entristeço. É um festival de intolerância, de gente que só olha para o próprio umbigo que chega a enojar. O bloco dos egoístas cada vez aumenta mais. Gente a buscar por culpados sem colocar o nariz para saber como poderão contribuir para a reconstrução.
“Eu não quero nem saber. Vou acompanhar o desfile de carnaval como faço todos os anos”, disse uma senhora, vizinha de minha mãe. A princípio achei ruim o que ela dizia, mas depois lhe dei razão. Se o céu não desabar outra vez, ela estará liberada para a festa. Essa senhora mobilizou os moradores de seu edifício e outros da rua, para oferecer café, água e lanches às equipes que trabalhavam na limpeza da cidade, segunda-feira.
Não era obrigação dela, podia ficar em casa a espera da luz, da água que faltou. Mas optou por reconhecer o esforço dos servidores públicos que se revezam no cansativo e perigoso trabalho de remoção de entulhos entre cabos de alta tensão. Eles não faziam mais do que sua obrigação, eu sei. Ela poderia ir às redes sociais, a reclamar dos alimentos que perderia coma falta de luz, do calor sufocante da noite.
Em outras ruas da cidade, se repetiu a cena. Piqueniques solidários, para garantir energia àqueles que lutavam contra o tempo. A cidade precisava retomar suas rotinas, reconstruir-se. Gestos bonitos que me dão uma nova disposição para confiar na humanidade. Os maus, os mesquinhos, não são a maioria. Apenas fazem mais barulho com suas lamúrias. Prefiro o som do carnaval.

