Depois de uma acalorada discussão com o vizinho. Aliás, um grande amigo, mas sempre em lados opostos, o professor Jorge, precisou enfrentar uma insônia terrível. A conversa começara com o vizinho garantindo que Temer não o representava. “Mas se quem, como tu que ajudou a eleger Dilma, colocando legitimamente o vice no Planalto, diz não ter nada a ver ele, muito menos eu tenho, já que não votei na presidenta. Portanto parabéns amigo petista. O mérito é inteirinho teu,” concluiu o professor. Foi o que bastou para a conversa quase perder a elegância.
Encerraram, democraticamente, o debate de portão e foram para casa. A noite estava fria. Horas depois, já início de madrugada, Jorge decidiu ir ao pátio “respirar o ar noturno”. Dois jovens conversavam na esquina. Um deles, ao vê-lo, pediu cigarros. “Não fumo”, respondeu Edu. Mesmo assim, eles se aproximaram e, em segundos, apontavam-lhe armas e exigiam para tirar o carro da garagem, “Vamos dar uma volta, depois te liberamos”, prometeram. A mulher e o filho já dormiam e não ouviram nada. Mas para o professor, terminava a insônia e começava o pesadelo.
“No banco de trás, eu ficava torcendo para acordar”, lembra Edu. Mas não era um sonho ruim e sim, a realidade brutal invadindo seu portão. Os ladrões assumiram o volante ameaçando: “Fica quieto para voltar vivo”. A experiência com adolescentes problemáticos o ensinara que precisaria, pelo menos, acalmá-los e evitar mais violência. Viram duas senhoras – gente que trabalha à noite, em um ponto de ônibus e sacaram suas armas. Edu teve calma e os convenceu que não valia a pena. Mas duas quadras adiante arrombavam um mercadinho humilde. “E eu ali, rezando para não depararem-se com o proprietário, possivelmente armado. Iria sobrar para mim”, preocupou-se.
Levaram bebidas, pães, salames, balas e chicletes. “Eram crianças brincando de bandidos”, percebeu o professor. Na free way, horas depois, – já bêbados e drogados – passaram a dar tiros a esmo. Estacionaram o veículo próximo a ponte do Guaíba e mandaram que eu saísse do carro. Imaginei que chegara minha hora”. Pegaram os trocados que tinha no bolso, arrancaram o som, os CDs da patroa e lhe tiraram o tênis que calçava. “Agora tu vai morrer”, gritou um. Mas o outro não concordou. “O tio vai ficar quieto, né?”. E advertiu: “Sabemos onde tu mora” e sumiram na madrugada escura. De volta a casa, chorou sua raiva. “Não temos mais paz nem no pátio onde plantamos flores e árvores”.
E por precaução, insônia o Edu só vai tratar com chás caseiros e algum sonífero. Nada de ir para a rua. Discutir sobre quem votou certo ou errado? Nunca mais! Jorge continuará ensinando aos alunos a fazerem escolhas não apenas por indicação de terceiros, ou discursos enfeitados em fantasias. Mas procurar o histórico de seus representantes. A questão ideológica é importante, mas anda muito misturada onde não deve por aqui. Pelo menos, é que pessoas como eu, e meu amigo professor observamos.

