É assim, vamos pintando a vida de cores leves. Como dizia a minha tataravó “varrendo a sujeira para debaixo do tapete”, assobiando uma canção da moda, lábios trêmulos até que, num tão belo dia, a vida se transforma em um quadro surrealista sem nenhuma graça artística. É o amor perfeito cheirando mal no lixo da ilusão, o emprego a desabar lá, do último andar da acomodação e os ombros amigos a alçar voos para bandas onde o choro e o ranger de nossos dentes será apenas uma figura de expressão gasta nas aulas de vida muito mal aprendidas.
Muitas vezes somos assim. Prisioneiros de ambições e projetos de puro abuso emocional. Se nos damos conta, não tenho muita certeza. Não sou psicanalista para investigar essas questões de forma profunda. O diagnóstico eu não tenho, mas sei perfeitamente da humana vocação para esses desajustes. Caráter não se compra em farmácia, mas se molda com a vivência, com o uso adequado dos sentimentos.
Dos momentos pictóricos indecifráveis que experimentei, lembro-me dos longos períodos de sofrida reflexão para entender algumas mancadas. Do tipo, peguei os pincéis e saí pintando o sete (desculpem, mas foi irresistível a velha metáfora). Muitas vezes enchi os outros de uma tinta pesada, em pinceladas erráticas. Isso só acontecia comigo, reclamava, cheio de auto piedade.
Mas o quadro pintado – as tais cores leves – ficavam lá, em exposição para todos do baita trouxa que eu era. A maioria, ou por medo de minha reação, ou conformismo, talvez por maldade, nada comentava. Que se lixe! Quem mandou cair nessa roubada? E lá estava eu feito um Salvador Dali às avessas.
Todo esse palavreado é só para dizer que mesmo nas mais intensas paixões, ou diante da mais sedutora proposta de trabalho, um amor sem cumplicidade ou o inédito emprego de piloto de voos às cegas devem, sempre, ser pensados e repensados.
A carência nos leva à beira do precipício emocional e muitas vezes nos rouba a sensibilidade, que nos leva a desrespeitar quem nos cerca. Se eu não me dou o respeito, porque seria assim com os outros?
Essa carência disfarçada de arte, de senso artístico, abre as portas para uma exposição constrangedora e desnecessária. Triste final para quem apenas pintava paisagens na ilusão de um dia se enxergar nelas. Descuidado, virou o borrão que inutilizou a obra.

