Paulo tem 50 anos. É um executivo bem sucedido. Profissional da área imobiliária que mantém um sólido casamento com Kátia há 15 anos. Dois filhos pequenos, viagens ao Nordeste no verão, casa na praia, dois carros novos na garagem. A mulher trabalha como secretária de uma multinacional. Em resumo: uma vida pacata, mas segura, sem sobressaltos ou sustos. Desde o finado Primeiro Grau JP – apelido que o perseguiu para horror da mãe – sempre optou pela segurança em detrimento da aventura, do imponderável, do desconhecido, do friozinho na barriga. Conheci este seu jeito quando ficamos amigos inseparáveis na faculdade.
Na última segunda-feira, ele tinha uma reunião marcada no centro de Porto Alegre – cidade onde reside – com um cliente que à última hora cancelou o encontro. Com tempo livre até à tardinha, resolveu passear pela Feira do Livro, no coração da Praça da Alfândega, no Centro da Capital. Folheava distraidamente um livro de quadrinhos num sebo quando ouviu a voz que fez gelar, apesar dos 24°C:
– E aí, queridão, és tu mesmo?
A voz, inconfundível era de Betina, namorada dos tempos de cursinho, num idílio que acabou de forma inexplicável até hoje. Lá se vão… quantos anos mesmo? Ele não sabia, mas a reação era igual ao tempo do namorico do casal. Vagarosamente João Paulo virou o pescoço e a viu. Lá estava ela: loira, 1m70cm, calça de abrigo, tênis e um perfume estonteante. Pela silhueta continuava atleta e amiga de uma alimentação saudável.
– Tava aqui na banca ao lado quando a minha irmã te viu. Achei que era impossível que fosse tu, mas resolvi conferir. Como tu ta magro, heim? De terno e gravata então, um gatão!
A escolha era clara: a vida certinha, segura e sem emoções
ou uma verdadeira aventura, um salto no escuro sem rede?
Um turbilhão de pensamentos invadiu a cabeça de João Paulo. Por que precisava ter vindo à Feira do Livro? Poderia ter ido ao Mercado Público tomar um cafezinho, ou ter ido à Rua da Praia ver o movimento das mulheres ou até esticar uma caminhada à Borges de Medeiros engraxar os sapatos. Mas não! Quis fazer o programa óbvio: ir à Feira do Livro e agora isso…
Apesar do impacto, meu amigo se aprumou e entabulou uma conversa. Soube que Betina tivera dois filhos, era separada e recebera uma proposta para estudar no exterior, mas que pensava no assunto. Morava na Região Metropolitana e viera à Capital submeter-se à bateria anual de exames. Ela sempre fora obcecada pela vida saudável, sacumé… alimentos naturais, corrida, sucos, mas também não resistia a uma boa cerveja gelada, churrasco ou um xis completo.
Conversaram por meia hora. Trocaram cartões de visita e desde então João Paulo está inconsolável. Encontrei o pobre coitado no shopping no dia seguinte ao fatídico encontro.
– E agora, o que tu vais fazer? – perguntei de forma provocativa.
– Não sei, nem me fale. Minha vida conjugal vai bem… quer dizer… com alguns solavancos e brigas, como acontece com todo mundo. Mas agora a tentação é grande. Betina é como se fosse um livro inacabado!
Marcamos de tomar um choppe na semana que vem. Pelas olheiras do João Paulo serão muitas noites insones. A antiga namorada voltaria mais três tarde a Porto Alegre, enquanto Kátia, a esposa, cursa pós-graduação em Administração das 14h às 19h.
Confesso que estou ansioso para reencontrá-lo. Tento imaginar o impasse: de um lado, a vida certinha, o hábito da segurança, tudo certinho com hora marcada. De outro, uma velha paixão que não se extinguiu, a possibilidade de uma aventura para reaquecer o casamento, de sentir-se desejado.
O que meu amigo deve fazer, heim?