Com frequência as estatísticas feitas no Brasil são alvo de desconfiança. As críticas sistemáticas vão desde os métodos de aplicação– considerados falhos – até a compilação dos dados taxada de pouco científica. Quando estas desconfianças são superadas surge a pecha de que o levantamento é antigo, ultrapassado, defasado. Ou seja, já não corresponde à realidade.
Apesar destas restrições, merece registro a notícia veiculada pela imprensa esta semana dando conta que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia de Estatística (IBGE), atualmente existem no Brasil 3 milhões de idosos que moram sozinhos, o que corresponde a 14% do total de brasileiros com mais de 60 anos.
Procuro imaginar de que maneira vivem estas pessoas que, solitárias e muitas vezes doentes, sobrevivem quase sempre graças a parcas aposentadorias ou pensões. Hoje em nosso país quase todas as minorias estão vinculadas a movimentos sociais atuantes. Alguns têm até datas comemorativas ou dias de protesto em nível mundial. Ganharam espaço a partir da introdução da abominável expressão “politicamente correto” que permite generosos espaços na mídia nem sempre condizentes com a sua importância.
Os pobres idosos pouco têm a comemorar. À exceção da instalação de caixas preferenciais em bancos, supermercados e outros estabelecimentos, eles são alvos de raras iniciativas para melhorar a qualidade de vida. Dentro da própria família, nossos velhos são tratados como uma espécie de estorvo. Por isso, não raramente são abandonados em instituições sem as mínimas condições estruturais para atendê-los.
Tenho consciência de que muitas famílias não possuem capacidade financeira para sustentar pais ou avós, situação agravada sensivelmente em caso de doença crônica. Existem alguns programas oficiais que lamentavelmente pouco contribuem para minimizar estas dificuldades.
Pelas ruas de Porto Alegre é possível vislumbrar muitos velhos que perambulam em sinaleiras e bancos das praças. A legião de pedintes que lotou o Centro começa, agora, a invadir os bairros periféricos.
Um país onde idosos cegos são obrigados a driblar portas giratórias não merece o título de quinta economia do mundo
Os idosos brasileiros devem ter inveja de seus contemporâneos que vivem no Japão. Lá eles são tratados como sábios, verdadeiras referências do bem viver e detentores de segredos de vida que são legados a seus herdeiros. Aqui, no entanto, a figura de um idoso na fila é motivo suficiente para muxoxos porque nós, menos velhos, não temos paciência com aqueles que caminham lentamente ou possuem dificuldade de ver ou enxergar.
Esta semana vivenciei uma cena duplamente dramática que sintetiza a realidade. Numa época onde o caixa eletrônico armazena solução para todos os problemas excepcionalmente fui a uma agência bancária. Na saída, nenhum dos oito seguranças que zelavam atentamente pelo movimento “de suspeitos” do local tiveram a sensibilidade para acompanhar uma senhora que, além de idosa, era cega. Ela estava no segundo andar do prédio e usava uma bengala para a sua orientação.
Abandonei a fila do caixa e a conduzi até a saída. Apesar dos meus protestos, ninguém liberou a porta que estava chaveada, obrigando a pobre mulher a vencer três portas giratórias que, como todos podem imaginar, tornaram-se um obstáculo quase intransponível. Meu protesto ecoou veemente, mas sem qualquer reação pela agência lotada. Depois de muitos esbarrões, a idosa ganhou a rua, voltei à fila e tudo voltou ao “normal”.
Um país que permite uma cena dantesca como estas certamente não tem compromisso com as pessoas. Crianças, pessoas portadoras de deficiência de todo tipo e velhos são sobreviventes num mundo onde a pressa dita nossa rotina. Todo o resto é mais importante, tem mais peso e repercussão diante destes personagens considerados “pessoas de segunda classe”.
Isso é no mínimo lamentável para um país que já não é tão jovem, que envelhece rapidamente e ostenta o título de quinta economia do mundo. Socialmente, todavia, estamos a léguas do primeiro mundo.