Minha filha cursa o primeiro semestre de Direito. Está empolgada com as aulas, o que me deixa profundamente feliz. Entre as atividades previstas no início de curso está a obrigatoriedade de comparecimento em audiências cíveis e criminais. Isso gerou uma grande expectativa.
Ao chegar em casa diretamente do Foro Central de Porto Alegre, onde fez sua estreia como expectadora, Laura não conseguiu esconder a decepção. Contou que assistira a uma audiência que reuniu um casal para homologar a separação.
– “Primeiro achei muito estranho que os dois estavam sentados lado a lado”, começou a futura causídica sem conter a impaciência. Acrescentou que o juiz perguntara coisas banais nestas circunstâncias:
– “Vocês têm um filho que ficará submetido à guarda compartilhada, certo?”, perguntou com a anuência do casal.
Em seguida o magistrado citou que os ex-cônjuges amealharam um veículo e um apartamento como patrimônio.
– “O carro ficará com a fulana de tal e o imóvel será vendido e o resultado desta transação será partilhado, certo?” – indagou com a aquiescência do casal.
– “Então, por favor, assinem aqui. Está terminada esta audiência”, finalizou o juiz.
Minha filha não compreendia várias coisas: por que tanta cordialidade entre duas pessoas que estavam ali para sacramentar a separação? Por que foram ao Fórum se concordavam com todos os pontos da negociação?
– Eles não discutiram, não brigaram, sequer questionaram o juiz ou reivindicaram alguma coisa. Só concordaram o tempo todo!”, protestou.
Expliquei que as separações podem ser litigiosas e consensuais e que mesmo quando há total concordância é preciso a confirmação judicial. Aos poucos, no entanto, me dei conta que ela pertence a uma geração marcada por graves conflitos que assinalam o fim de um relacionamento afetivo.
Cegos de ódio, casais se dedicam ao extermínio mútuo, levando os filhos a vagar pelo mundo das drogas e do álcool em busca da paz
Muitas colegas e amigas presenciam verdadeiras batalhas verbais e até físicas motivadas pela disputa da guarda dos filhos, da partilha de bens e de tudo mais que possa servir de motivo para justificar o litígio.
Minha filha tem dezenas de amigas com quem mantém contato permanente. Dia desses, ao levá-la a uma festa, perguntei quantas tinham os pais casados ou vivendo juntos. Depois de uma longa reflexão ela chegou à conclusão que apenas quatro jovens de suas relações conviviam em torno de relacionamentos “à moda antiga”. Passei a imaginar as péssimas qualidades de vida que milhares de jovens suportam junto aos pais que permanecem casados, mas que estão na iminência da separação. Sem falar daqueles que servem de moeda de troca em divórcios litigiosos caracterizados por contendas judiciais que ocupam diversos advogados.
Tenho visto e ouvido relatos aterrorizantes de jovens que pensam em fugir ou morar com seus namorados e namoradas ou ainda mudar de estado e até de país. Saturados com a beligerância que marca a convivência dos pais atritados entre si, buscam desesperadamente paz suficiente para estudar e/ou trabalhar e vislumbrar um futuro mais tranquilo.
A preocupação com os filhos, que permeia os primeiros anos de vida dos pais, se transforma numa luta surda (às vezes nem tanto!) onde sentimentos menores, moldados pelo egoísmo, se sobrepõem ao bem-estar dos herdeiros. É incrível a falta de maturidade e de responsabilidade que coloca em risco uma vida inteira de educação, de tentativa de transmitir valores e conceitos humanos. O (a) parceiro (a) de muito tempo se transforma num (a) inimigo (a) mortal a ser eliminado (a) a qualquer custo.
Enquanto isso, crianças, adolescentes e jovens desesperançados vagam pelo submundo das drogas, do álcool e da incessante procura de um porto seguro. Cegos pelo ódio que compromete o futuro dos filhos, casais dedicam-se a magoar-se mutuamente. Sob o mesmo teto ou já distantes fisicamente, ocupam-se com a arte da guerra e do extermínio da esperança daqueles que não pediram para nascer e constituem o bem mais precioso: os filhos.