No meu primeiro emprego de carteira assinada tive o privilégio de conviver com um senhor de aproximadamente 70 anos. Chamava-se Lota Zang, ou apenas, seu Lota. Era um homem sério e de poucas palavras. Alto e calvo tinha a função de analisar cuidadosamente todos os cartões-ponto da empresa. O capricho com que executava a tarefa era invejável. Todos os dias, munido de uma lâmina Gilette, ele apontava quatro lápis simetricamente iguais. No canto direito do cartão ele apunha o total de horas trabalhadas.
Fomos colegas por quase dois anos com seu Lota até que uma onda de demissões atingiu seu Lota que foi dispensado. Apesar da grande diferença de idade forjamos uma sólida amizade que prosseguiu mesmo depois da demissão. Num almoço ele contou que continuava acordando todos os dias pontualmente às 6h, o que eu não compreendia. Afinal, ele não tinha nada para fazer:
– Diariamente acordo, vou ao banheiro, abro a janela, respiro fundo e penso: como é bom ser aposentado pra ficar dormindo! – repetia com uma estrondosa gargalhada.
Logo depois ele fazia um longo silêncio, ficava sério e lamentava:
– Sabe guri… a pior coisa da velhice não são as doenças, as dores pelo corpo ou o esquecimento dos filhos. O que dói mesmo é a falta de amigos para conversar, recordar a minha época de juventude e lembrar de fatos marcantes da minha geração. Isso faz a gente sofrer de verdade…
Seu Lota contou que ia à Praça da Alfândega, no Centro de Porto Alegre, e a cada semana pelo menos um amigo não aparecia.
– O ausente estava doente ou tinha morrido – lamentava o veterano.
Aos 52 anos de idade, mantenho o vício de ler pelo menos quatro jornais diários. Confesso que não deixo de conferir o obituário e com frequência cada vez maior encontro o nome de amigos, ex-colegas de trabalho ou conhecidos. Me coloco no lugar do meu velho amigo e me vejo perambulando pelos parques e praças em busca de um conhecido para trocar reminiscências.
Conviver com as pessoas queridas talvez seja o verdadeiro elixir da eterna juventude
Esta apreensão atinge um contingente cada vez maior no Estado e no Brasil. Levantamento do IBGE, com base no Censo 2010, revela que 9,3% da população gaúcha tem 65 anos ou mais, padrão que o Brasil só atingirá em 2020. A Europa levará 100 anos para aumentar de 7% para 14% este índice, fenômeno que o Brasil atingirá em apenas 20 anos.
Além das perdas afetivas, os idosos enfrentam um conjunto de dificuldades e limitações, motivadas pela inadequação da infraestrutura e dos serviços e pela escassez de produtos para esta população de um país onde se tem cada vez menos filhos e maior expectativa de vida.
Outro dado a lamentar, conforme o IBGE, é o pouco interesse dos profissionais de medicina pela especialização em geriatria. Somente 20 universidades brasileiras mantêm residência nesta área e apenas uma se localiza no Rio Grande do Sul, onde o total de geriatras não ultrapassa a 60.
Não sei que fim levou seu Lota. Mesmo saudável ele jamais deixou de sentir falta das pessoas queridas que o cercavam. Apesar do esforço das autoridades é impossível preencher esta lacuna. Os filhos crescem, amigos partem e um vazio se instala dentro de nós. Por isso, conviver com a família, encontrar companheiros em festas, mesas de bar e confraternização ameniza as perdas e fortalece a importância da convivência. Manter vínculos talvez seja o verdadeiro elixir da eterna juventude.