Penso ser bem provável a possibilidade de cada eleitor brasileiro ter sua incomum expectativa quanto às eleições.
Produtos de sonhos e demandas bem diferentes, dividir demandantes e sonhadores em dois grupos, imagino que possa significar muito pouco.
Em quantos sentimentos se dividiriam sonhos e demandas, em uma população superior a 100 milhões de eleitores? Sonhos (ou desejos quase ilógicos) e demandas (as necessidades imediatas e mais comuns), um de cada lado, proporcionariam uma divisão curiosa e até surpreendente: quantas “demandas” seriam por sonhos (amor, afeto, casamento, moradia, família, incontáveis viagens) e quantos sonhos em busca de sua demanda (maior renda, empregos, posições políticas, status, poder); ou seja, apostar nesses dois segmentos seria um bom começo para localizar o tangível e o ilusório, que impelem as pessoas a votar em determinado candidato ou partido.
Sabe-se, também, que há sonhos e demandas pessoais em cerca de 85% dos votos, assim como é grande o percentual dos que gostam de frequentar os locais onde os votos se formam ou se dirigem (a estes, chamaremos de grupos políticos).
É possível supor que a cada 10 eleitores, exista um cuja tendência seja votar em alguém que possa criar, em determinada região do estado, ou do país, uma espécie de Reino da Paz, do Crescimento, da Fartura, da Liberdade e tudo isso dividido, na sequência, entre todos os que ali vivem e sonham, “demandantes do paraíso” passemos a assim chamá-los.
É possível que isso ainda exista?
Pois contrariamente ao que o senhor ou do que a senhora possam admitir, essas raridades existem, e se as trato no plural é porque acredito em sua impressionante quantidade, tanto quanto creio na pureza de seus sentimentos e ideias, embora possam situar-se, também, no terreno das aspirações políticas.
E mais ainda: acredito que um percentual bem considerável de pessoas (digamos 35%) ainda seja capaz de votar para melhorar a vida de todos e não só a sua, tornando mais factível o sonho coletivo, em detrimento de seu “direito individual”.
Andei pelo interior gaúcho desde maio de 2012 até esses primeiros dias do último mês integral da propaganda política, e podem acreditar, visualizei dezenas de olhares envoltos em sonhos, capazes de mudar as vidas dos sonhadores, também nos detalhes pessoais e íntimos, o que mexe bastante no foco da eleição. Continua, porém, a merecer um compreensível voto de esperança no futuro e justificáveis sentimentos positivos a passear pelas manhãs, uma forma menos comum de ver a vida e, quem sabe, de votar diferente.
“O que o Moreau quer dizer com isso, afinal?”
Quero dizer que as pessoas, em boa parte das vezes, são tão humildes em seus sonhos, que até uma máquina de votar já as satisfaz, muito embora não carreguem a sensibilidade necessária dos indispensáveis sentimentos que diferenciam seres humanos de máquinas.
Até há bem pouco tempo, acreditei em uma frase que atravessou séculos como verdadeira: “quem tem menos, pede mais!”
Na verdade, por minha conta, modifiquei-a: “quem pensa que tem menos, pede mais”.
Essa espécie de frase tem parentesco com aquela outra: “eu era feliz e não sabia”.
E onde estão aqueles que são felizes e talvez ainda não saibam?
Nas gélidas manhãs do interior do RS, as famílias se distribuem em grupos, em torno de um fogão à lenha e esperam que o pinhão aqueça e seja dado por pronto. Este tempo servirá para o cheiro do pão-da-casa adoçar o sorriso da rainha daquele lar e aumentar o som da voz das crianças que crescem conforme o calor das bocas do fogão antigo.
A eleição, perdão, a democracia, tem odores e sabores que só quem com eles convive pode não entender que eles são legítimos presentes da natureza.
E por isso, pergunto como há muito tempo faço: alguém já inventou coisa melhor que a família?
No interior gaúcho, lá, no íntimo de uma discussão leve e desinteressada sobre política, surge a resposta: as famílias ainda salvarão este país dos seus momentos mais incolores e desprovidos de sonhos!
Existe um sonho no íntimo de cada eleitor do RS. Por mais pessoal que ele seja, será democrático.
Por quê?
Ora! Por mais que alguém se afaste de si mesmo, nunca conseguirá ir longe demais.
Como abandonar o amigo que cada um cultiva em si mesmo?