A chamada carona solidária ganha espaço nos grandes centros urbanos à beira do colapso do trânsito. Na década de 1970, quando eu era adolescente, viajar “no dedão” era prática comum. Tempos em que a insegurança era um fenômeno dos filmes de ação.
Ao mudar para Porto Alegre me acostumei a visitar a família nos finais de semana na base da carona. Ia de ônibus até o trevo de acesso da BR-386, naquela época conhecida por Estrada da Produção e mais tarde como Tabaí-Canoas. Havia uma verdadeira legião de mochileiros; A cada sábado era preciso acordar mais cedo para conseguir chegar antes do meio-dia em Arroio do Meio.
Em determinada segunda-feira, consegui uma carona de volta para Porto Alegre a partir do trevo de acesso a Estrela. Um Fusca rebaixado com vistosas rodas tala-larga de magnésio e um som estridente parou cantando pneus e por pouco não passou sobre os meus pés. De dentro, os dois cabeludos sem camisa me puxaram para dentro do veículo. “Entra aí, cara!”.
Foi uma jornada emocionante com 10 ultrapassagens feitas pelo acostamento! Eu rezava para que não houvesse um pedestre, animal ou outro carro estacionado, o que provocaria um grave acidente. O “Fusca voador” – do tipo Bizzorão, com 1600 cilindradas – trafegava a 120 km/h! Além do som no volume máximo, havia um forte odor de álcool no interior do carro.
Finalmente ao cruzar a estátua do Laçador na entrada da Capital suspirei aliviado. “Bah, cara! Batemos nosso recorde! Fizemos em uma hora cravada”, bradou o piloto sorridente.
Voltando da praia de carona. Com bebê e cachorro no colo…
No verão “o grande barato” era viajar de graça ao Litoral, quando a disputa era ainda mais acirrada à beira da estrada. Lembro de uma série de aventuras. Na saída de Tramandaí uma caminhoneta de cabine dupla parou eu e o Júlio Lynho Schnorr pulamos para dentro da carroceria fechada. Estranhamos que a motorista tenha escolhido a “estrada velha”, através de Osório e Santo Antônio da Patrulha, ao invés da larga e bem pavimentada free-way.
– É que a minha mulher ainda tá aprendendo a dirigir e não tem carteira – disparou o marido ao apontar para a loira ao lado.
Para disfarçar o medo – afinal, foram tantas emoções causadas por alguém sem a menor intimidade ao volante – nos distraímos com um cachorro que não parava de correr dentro da caminhoneta. Além de um bebê que adormeceu no meu colo com as fraldas completamente encharcadas. Chegamos intactos, mas muito assustados.
Hoje certamente as ameaças seriam bem maiores ao brandir o dedão à beira de qualquer rodovia. As autoridades não aconselham porque a insegurança ameaça motoristas e caroneiros. Enquanto as estatísticas de assaltos, roubos e furtos continuam em alta, restam as empoeiradas memórias de um mochileiro dos tempos em que, até prova em contrário, todos eram pessoas de bem.