Mudam os tempos. Mudam os gostos. Até os pecados podem mudar de nome e endereço.
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Não sei se você ainda lembra da perseguição que as máquinas de calcular foram vítimas. Era ter-mi-nan-te-men-te proibido usá-las na escola. Pensava-se que elas reduziam as funções cerebrais. Parecia muito importante saber calcular de cabeça, no máximo, usando papel. Se a gente deixasse as máquinas trabalharem por nós, acabaríamos uns burros completos. E elas reinariam soberanas. Tomariam conta do mundo; o homem acabaria seu escravo.
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E o que dizer das revistas em quadrinhos? As perspectivas eram medonhas. Os fãs dos quadrinhos acabariam mais patetas ainda. Era preciso ler páginas de texto em vez de olhar as imagens. Sem isso, a inteligência entraria em colapso.
Fotonovelas, então, nem pensar. Além de sofrer do mesmo mal dos quadrinhos, juntava-se um agravante: elas eram obscenas. Podiam mostrar situações impudicas. Por exemplo, casais abraçados, fotos de beijos. As fotonovelas agrediam o pudor, atentavam contra a decência.
Fotonovela era coisa para ler escondido – posso declarar pela própria experiência…
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Estas coisas vem à cabeça, ao acompanhar a comoção com o final da telenovela Avenida Brasil. Ao que parece, não há mais quem não acompanhe novela. Quem criticava, ficou bem quietinho. Provavelmente, está assistindo também.
Pouco ainda se fala da liberalidade no tratamento de temas mais delicados. Cenas de amor ficaram tão naturais como as que mostram a família tomando o café da manhã. Maldade explícita virou bagatela. Até o jeito de castigar a linguagem pouco perturba. Se os atores são fotogênicos, quem se atreve a exigir que acertem a concordância verbal?
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Toda esta conversa quer agora levar de volta para a pergunta do título. Seria o caso de conceder indenização pelos tormentos que foram impostos e que, depois, se mostraram gorados? Seria de indenizar de culpas criadas e de aflições curtidas em vão?
Pior: como ser compensado por sofrimentos que hoje parecem quase ridículos?