Depois de analisar o que chamou de mapa da fome do mundo, um sociólogo sentenciou: “Basta usar toda a comida que os ricos deixam de consumir com dietas e regimes e poderíamos alimentar a outra metade que passa fome todos os dias”. Exageros à parte, fiz um exercício de reflexão sobre as mudanças verificadas nos hábitos ao longo das últimas décadas.
Lembro dos lautos almoços dominicais em família dos meus tempos de piá. Fartos, variados e que – com assumido exagero – se iniciam já no café da manhã e prosseguiam à tarde, com sobremesas variadas que prenunciavam o famoso café da tarde. Esta verdadeira orgia gastronômica, no entanto, não deixava ninguém constrangido a ponto de evitar o jantar que fechava os trabalhos.
Das sobremesas recordo que os pêssegos em calda eram campeões da preferência da família. Sempre tínhamos duas ou três latas no estoque para evitar surpresas com visitas inesperadas ou não anunciadas. Na gaveta da cozinha, proliferam abridores de lata que ao mesmo tempo sacava tampas de garrafa no tempo que a cortiça envolvia a parte inferior.
Hoje o consumo do pêssego é praticamente nulo, restrito às festas de Ano Novo e ao emprego na feitura da decoração de mesa. Sorvetes e dietas – uma verdadeira obsessão nesta época de pré-verão – foram inimigos de morte do pêssego. Esta mudança de hábito foi causa de grande abalo em diversos municípios, como Pelotas, na Zona Sul do Estado, líder no segmento e cuja economia ostentava inúmeras indústrias de renome internacional.
Consumo e pressa provocaram modificações que alteraram profundamente nossos hábitos
Na categoria guloseimas históricas – e que ainda resiste bravamente – temos sagu, presença garantida em almoços típicos da colônia alemã e italiana. Mas cá entre nós: é muito difícil encontrar um sagu saboroso, de qualidade, com aquele gosto marcante de vinho e com as bolinhas que não grudam no céu da boca, além de serem bem macias. O que se encontra em restaurante, principalmente nos buffets, é praticamente transparente, o que não recomenda o consumo.
A melancia teve na minha infância e adolescência sua época de ouro, apesar do temor das mães. Ao vislumbrar a fruta ainda sinto um certo pavor, resultado de tantos males que causaria em caso de consumi-la quente ou misturada com leite, refrigerante, laranja e em tantas outras combinações. Hoje, na época de calor intenso, a melancia reina quase absoluta por conter muita água e pelo preço bastante acessível.
São mudanças de hábitos que se desenvolvem ao longo dos anos de forma quase imperceptível. O consumismo, a pressa e a escassez cada vez maior dos encontros familiares impuseram uma rotina completamente diferente. Refeições fora de casa agravam o problema. Mas, como em tudo, a memória afetiva não permite que a gente esqueça lembranças ainda tão vivas. Apesar de tantos anos…