O frio dos últimos dias traz de volta a história do cobertorzinho de Mostardas – história que já publiquei aqui antes. É um caso famoso. Acho que vale a pena buscar ao assunto na hora em que o frio aperta.
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Quem divulgou a fama do cobertorzinho de Mostardas foi Simões Lopes Neto, o mesmo escritor que deu publicidade para a história do Negrinho do Pastoreio.
O tal cobertorzinho provinha de uma lã mui aquecedora. A lã era retirada de ovelhas de uma raça que nem existe mais, mas que tinha sido popular pelas bandas de Mostardas, aquela região ao sul, perto da lagoa dos Patos. Coitadas das ovelhas! No verão elas morriam às pencas, abafadas na sua própria pele. Era necessário tosqueá-las à navalha. As pessoas que trabalhavam com a lã ficavam com as mãos vermelhas, fumegando, como se estivessem mexendo em água quente.
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Bom, o cobertorzinho que ganhou notoriedade fora levado até Bagé na mala de um caixeiro do comércio.
O caixeiro chegou de noite com a mala, numa hora em que o frio cortava. As fumaças dos cigarros se suspendiam no ar, endurecidas, talvez congeladas… A bem de poder dormir, o empregado se meteu debaixo do seu cobertorzinho. Pois sim! Acordou durante a noite, meio zonzo, com uma inesperada barulheira. Viu o pessoal sentado nas janelas, em trajes menores, com o suor pingando. O rapaz pulou, parecia que tinha um pano de fogo sobre o corpo. Ouviu que de fora chegavam lamentações pelo abafamento inusitado. A cidade inteira tinha ido para a rua. Nos bares, pediam cervejas e refrescos. Do lado do arroio vinha uma algazarra alegre, gritos, gargalhadas: era o povo que tomava banho!
Saiu ele também. O caixeiro foi ajudar a atender a freguesia na venda. Quando voltou ao quarto para trocar de roupa, temendo que o suor que o encharcava resultasse numa gripe, quase não conseguiu entrar. O quarto estava que era um forno, insuportável. Foi aí que o caixeiro se deu conta. Como um raio, se deu conta. Lembrou do cobertorzinho. Era ele, só ele: o calor, a quentura da sua lã estava causando todo aquele estrupício na cidade. Mais que depressa guardou o cobertor na mala.
Pouco a pouco a temperatura foi cedendo. De madrugada já era possível respirar melhor. Todo o mundo foi voltando para a cama e a cidade retomou o tranquilo de costume.
Dias depois, para tirar as pulgas, o caixeiro estendeu fora o seu cobertorzinho. Foi o que bastou. Combinaram-se a quentura da lã e o calor do sol… E sabe o quê? O cobertorzinho pegou fogo. Desapareceu. Pura cinza… e nem fumaça tinha havido.
Olhem que era cobertorzinho quente aquele!