Bastou lembrar o tempo em que eu ia a pé para a escola, pisando sobre finas lâminas de geada para o frio chegar com toda a força nesta semana. Bonecos de neve resistentes por mais de 24 horas, telhados desabando sob o peso do manto branco que cobriu Santa Catarina e até interdição de rodovias no vizinho Estado foram manchetes ao longo de toda a semana.
Na terça-feira fui almoçar no centro de Porto Alegre com minha filha. A intenção inicial era ficar bem quietinho na sala onde trabalho na hora do meio-dia, vislumbrando o frio apenas pela janela. Mas um convite carregado de afeto da filhota me levou às geladas ruas da Capital.
De sobretudo de lã, manta e mãos enfiadas nos bolsos encarei o desafio. Ao sair do prédio fui recepcionado pelo minuano cortante que zunia nas orelhas. O movimento dos carros e ônibus aumentou a sensação de frio, mas por sorte consegui uma lotação sem precisar esperar muito tempo na calçada.
Ao chegar no Centro da cidade o vento era ainda mais intenso, vindo diretamente do rio Guaíba, subindo a Avenida Borges de Medeiros na esquina com a rua da Praia. Lembrei das manhãs geladas do tempo em que o inverno era mais rigoroso e prolongado, características que atualmente chamam a atenção. Longas e tenebrosas semanas nos castigavam numa repetição teimosa com temperaturas sempre abaixo dos 10°C.
A Bolsa Sem Teto ainda não existe, mas talvez seja criada em breve dentro do paternalismo vigente
Hoje existem recursos tecnológicos que amenizam os efeitos do frio. A compra de aparelhos de ar condicionado e de aquecedores se tornou mais acessível, o que minimiza as consequências das madrugadas gélidas. Os preços módicos e a variedade de modelos permitem ofertas para todos os bolsos, algo impensável nos meus tempos de piá.
O que não muda, todavia, é o sentimento de impotência diante dos moradores de rua que sobrevivem sob as marquises e em praças sob temperaturas perto de zero grau. Nas cidades maiores esta legião cresce vertiginosamente. Segundo os especialistas existem diversos motivos que justificam este fenômeno. Além do aumento populacional existem dificuldades dos sem-teto em se adaptarem às normas de convivências em albergues e casas de passagem.
O desenvolvimento tecnológico cada vez mais acelerado, a descoberta de remédios para os mais complexos males e a crescente criatividade são incapazes de permitir uma solução para este absurdo social. Crianças, jovens, trabalhadores, mulheres e idosos são submetidos a um castigo indigno diante do volume de impostos e tributos auferidos diariamente.
Nenhum progresso, descoberta ou conquista é suficiente para minimizar a vergonha da falta de assistência àqueles que dormem ao relento. A Bolsa Sem Teto certamente seria mais um paliativo paternalista que pode nos surpreender em breve. Até lá esta legião de desvalidos sobreviverá graças à bondade dos contribuintes.