Andei pensando no livro de Harry Frankfurt, cujo título é “Sobre bullshit”. A palavra bullshit pode ser traduzida como enrolação, bobagem, besteira, tolice e outras expressões equivalentes.
Nesse livro, Frankfurt mostra sua preocupação com o avanço do “bullshit” e com as razões que levam as pessoas a praticarem. Resumindo bem a coisa, segundo o autor, a enrolação tem o objetivo de produzir vantagem para quem assim procede. O enrolador quer ganhar tempo, quando não sabe como agir; quer parecer bacana, mesmo desconhecendo o assunto sobre o qual está falando; quer vencer uma eleição, etc. O enrolador procura aparecer bem na foto, apesar da falta de conhecimento ou do seu desinteresse na matéria. O enrolador está se lixando para a verdade dos fatos.
“Bullshit” é diferente de mentira. O mentiroso conhece a verdade e se esforça para ocultá-la. O enrolador não dá bola para a verdade.
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Se Harry Frankfurt conhecesse a realidade brasileira nem sei o que diria. Aqui a enrolação prospera numa boa. A enrolação anda de bem com a vida. Tanto isso é verdade que, às vezes, ganha até incenso e fama. É o caso dos treinadores de futebol que dão longas entrevistas e não dizem nada. E olhe que nem vou falar das entrevistas do Ministro da Fazenda…
Agora se a palavra “bullshit” for traduzida como sinônimo de besteira, minha nossa, o que se vai dizer das tardes de domingo diante da TV?
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Penso nessas coisas todas com um olho nos últimos resultados apresentados pelo IBGE, que apontam o crescimento dos índices do Rio Grande em termos de educação. Crescimento, quero dizer, parecido com o crescimento do rabo de cavalo. Ladeira abaixo.
Não admira que o resultado venha desse jeito.
Já faz tempo que foi ficando quase vergonhoso ser um cara sério, minucioso e cumpridor da lei (se todo mundo que se arruma, se arruma no jeitinho). Foi ficando quase vergonhoso ter muita leitura e erudição. E, no caso das escolas, exigir profundidade nos estudos.
Pode ter sido uma exceção, mas já vi alunos de escolas fazendo encenação de estudo, lendo meio que por cima o assunto, só para constar, sem se preocupar em conhecer a matéria a fundo. E já vi esse procedimento ser aceito como bom.
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Enquanto dominar esse costume de ir só aparando o inço pela rama, sem precisar cavoucar em busca da raiz, não tem como subir na escala do IBGE – muito menos, melhorar a realidade que aí está.
Penso em “bullshit” também ao concluir agora a leitura de um livro de crônicas de Otto Lara Resende, jornalista e diplomata que faleceu há mais de vinte anos. Neste livro estão reunidos textos que Otto escreveu para o Jornal Folha de São Paulo durante quase 2 anos. São lições de cultura e de sabedoria que nada tem a ver com a superficialidade dominante.