Nos últimos dias a África do Sul tomou conta dos noticiários. A morte de Nelson Mandela comoveu o mundo. Todos lamentam a perda do líder da integração da nação. O que ninguém consegue saber é quão duradoura será a influência de Mandela no processo de consolidação da unidade da África do Sul.
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Estive na África do Sul há sete anos atrás. De tudo o que vi me sobraram dois sentimentos igualmente importantes: fiquei encantada com uma porção de coisas e muito apreensiva com outras tantas.
A região mais próxima à Cidade do Cabo foi a que conheci melhor. O roteiro da viagem foi centrado na metade oeste da África do Sul, a parte que é banhada pelo oceano Atlântico e pelo oceano Índico. Tendo alugado um carro, foi possível andar muito. Permitiu ver pontos turísticos e também as bibocas que normalmente ficam fora das rotas.
Há muitas belezas naturais. A elas se soma o trabalho dos homens. A região dos vinhedos é um capítulo à parte e não só pelo vinho excelente. A influência dos diversos povos colonizadores – holandeses principalmente – deixou marcas na arquitetura e na urbanização das cidades. As rodovias são maravilhosas. Coisa para deixar babando os brasileiros acostumados (acostumados?) com a precariedade geral.
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Também problemas não faltam. Fiquei com a sensação de que África do Sul vive à beira da explosão. A liderança de Mandela realmente contribuiu para diminuir as tensões. Mas não mudou a diversidade que é difícil de harmonizar. O fato de haver três as cidades com função de capital aponta para a dimensão dos problemas: Pretória funciona como sede do poder executivo; a Cidade do Cabo é a sede do poder legislativo e Bloemfontein, do poder judiciário.
Os negros são maioria. Compõem 70% da população e pertencem à múltiplas etnias. Disso resulta que o país tem onze línguas oficiais. O inglês é a língua dominante. É a língua dos negócios, mas não é a língua que a maioria fala em casa.
O desemprego é altíssimo, beira os 25%. Os mais castigados, são os pobres, no caso, os negros. Favelas imensas não param de crescer ao redor das cidades. Os brancos, por sua vez, respondem por apenas 9% da população e concentram a maior parte da renda.
A imigração ilegal de africanos do norte não cessa, em que pesem os esforços para fechar as fronteiras, e só faz aumentar as dificuldades. Os vizinhos vem atraídos pelas melhores condições econômicas da África do Sul e sempre arranjam um jeito de burlar a vigilância.
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Uma imagem grudou em mim: grupos de negros parados nas esquinas. Desempregados, eles aguardavam a oportunidade de um biscate. Rosto sério, pouca conversa, compunham um quadro quase assustador.
E se essa maioria negra um dia perde a paciência? E se essa maioria perde a paciência de esperar por condições parecidas com a que a minoria branca têm?