Aconteceu na saída de uma escola. As crianças de seus cinco anos conversavam perto do portão, esperando que os pais as levassem para casa. Sem mais nem menos, uma disse para a mãe que viera buscar a filha, referindo-se à menina: “Ela é pretinha, né”.
A mãe da menina “pretinha” (que, de fato era pretinha) recebeu o comentário como afronta. Ficou indignada. Achou que a filha estava sofrendo humilhação, que fora vítima de racismo. Considerou a situação inaceitável.
No dia seguinte, a mãe e o pai fizeram circular um manifesto entre as famílias dos alunos. Na conclusão do texto, um pedido de transferência para outra escola.
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O assunto discriminação entrou para a agenda de debates com toda a força. E já era tempo. Algumas pessoas se acham muito mais que as outras, isto é um fato.
Podia parecer uma gracinha invocar a mãe do árbitro para insultar o próprio. Podia passar batido o gesto de jogar bananas nos gramados dos estádios. Podia parecer muito inocente isso de contar piada esculachando portugueses, gays, negros, sogras, etc. Mas a publicidade que o momento dá para o assunto mostra que humilhar os outros é um gosto e quase um hábito. E mostra que a discriminação faz mal.
Tão no fundo as raízes da discriminação estão fincadas, que pode até acontecer de o ofendido se ofender sem ter razão. O sentimento de desigualdade é partilhado por quem se acha mais e por quem se acha menos. Está de um lado e está também do outro lado.
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Olhando para o caso da menina, que acima relatei, dá para ver como o terreno é melindroso.
Sabem qual é minha opinião sobre esta história?
Acho que há uma desproporção bem larga entre o comentário feito por uma criança de cinco anos e a resposta que os pais, adultos, deram.
Posso imaginar a menina de cinco anos dizendo “pretinha” como forma de descrever a outra, sem a intenção de desvalorizar.
Mesmo que não seja assim, a decisão que a família ofendida toma de deixar a escola não ajuda a melhorar as coisas. A família não ajuda a si mesma, pois jamais vai encontrar um lugar onde cessa a possibilidade de descrever o preto como preto.
A família também não ajuda a escola, porque fica perdida a chance de utilizar o incidente para fazer progredir o reconhecimento de que somos diferentes e nem por isso viramos as costas uns para os outros.
A família e a escola perdem a oportunidade de vivenciar a aceitação de forma a promover mudança. Não a aceitação da diferença na cor da pele unicamente. Também a aceitação de que, embora as pessoas falhem – e falham – continua valendo a pena promover a convivência boa.