Muito foi falado sobre a vaia dirigida à nossa presidenta na abertura da Copa do Mundo e eu também enfio a colher no assunto.
Vaiar, segundo o dicionário Aurélio, é manifestar desagrado, isoladamente ou em grupo, e de forma pública.
* *
Aí está. Hoje em dia, no Brasil, a livre manifestação é possível. Já houve tempo em que o medo dominava e todos tinham de rezar – ou fazer de conta que rezavam – por uma só cartilha. O exercício do direito à livre manifestação é sinal de que a democracia funciona.
As democracias mais consolidadas do planeta convivem bem com a diversidade de pensamento. Com a vaia, por conseguinte. Procure na internet e você encontrará uma série de situações de vaia ao presidente Obama, por exemplo. Por sua vez, o presidente da França foi vaiado em plena homenagem aos heróis da primeira guerra mundial, no ano passado. O rei da Espanha quase acostumou a enfrentar apupos. Etc., etc.
Ou seja, olhando deste ângulo, dá para entender que a vaia no Itaquerão é um atestado do avanço que aconteceu em nosso país. Além de aplaudir, hoje também podemos mostrar o desagrado.
**
Agora, olhando a questão do lado do governante, é claro que a autoridade espera receber homenagens em vez de vaias. Mas a vaia é parte dos ossos do ofício… Quem governa tem de saber que não agrada a todos.
Para o governante, a presença num espaço público, como um estádio, é sempre um risco. Risco bem maior do que a presença num comício lotado de simpatizantes… Quando decide comparecer a um estádio, a autoridade se expõe a chuvas e trovoadas. Ali, um grupo de cidadãos tem chance de falar diretamente. Pode ser que diga o que ninguém gosta de ouvir.
* *
Nossa presidenta não ignorava que existem dúvidas sobre o acerto de fazer a Copa no Brasil. Mostrou coragem comparecendo à solenidade de abertura. Na circunstância, o que de melhor podia fazer, fez, ou seja, desistiu de proferir discurso e aguentou impávida o coro e a chacota.
Por tudo isto entendo que a reprovação que a vaia recebeu se direciona mais para o tipo de expressão utilizada – que foi mesmo muito grossa.
Em todo o caso, olhando de mais um outro ângulo, o que esperar num momento como aquele, na beirinha da estreia do Brasil, com todas as emoções à flor da pele? O que esperar dessa mistura de raiva e de vergonha e de esperança e patriotismo, mais o medo do futuro que se abate sobre o povo brasileiro nesta altura?
* *
E o que esperar num estádio, onde se costuma xingar juiz, mãe de juiz, bandeirinha, jogador, gandula e o diabo-a-quatro?