Estamos em vias de comemorar os cem anos do início da primeira guerra mundial – 28 de junho de 1914. Entre as formas de lembrar o terrível conflito, vale a pena ler “Cartas do front”.
“Cartas do front” é uma coleção de cartas trocadas por soldados, familiares e amigos, durante guerras travadas no século XIX. São mais de 400 páginas somando 150 cartas. Além das cartas, quando é possível, o autor do livro acrescenta informações sobre o que aconteceu com os missivistas. Se o soldado casou com a namorada, se a namorada nunca mais teve notícias dele, se o soldado morreu em combate, etc.
As cartas foram coletadas e organizadas por Andrew Carroll. Seu esforço faz parte de um projeto norte-americano, o Legacy, que tem por objetivo procurar e conservar correspondências trocadas em tempos de guerra por pessoas atingidas pelos conflitos. Muitas das cartas presentes foram traduzidas para o inglês – o livro foi originalmente publicado nos Estados Unidos no ano de 2005, a edição brasileira é de 2009. Foram traduzidas para o inglês, uma vez que tiveram de ser catadas em todas as partes do mundo. Um aspecto interessante é que aparecem cartas escritas por soldados de países em guerra, que lutavam em lados opostos. Ou seja, é possível conhecer os sentimentos e as percepções de soldados inimigos envolvidos nas mesmas batalhas, só que em posições antagônicas.
Em vez de mostrar as consequências para a História mundial, como em geral fazem os livros de guerra, “Cartas do front” dá a chance de ver o que acontece com os combatentes e seus familiares – o pessoal do chão de fábrica, digamos assim. Desta forma, a versão que aparece é bem diferente da tradicional: aquela que vai figurar nos discursos ou será ensinada na escola. Como não são historiadores que escrevem em seus gabinetes, o que emerge é a voz de gente real. Gente que não faz pose de herói, porque está muito ocupada – vivendo a experiência direta do horror. Ali o que aparece de fato são os sentimentos humanos. Medo, repulsa, tristeza, saudade. Como regra, os soldados não falam em ideais patrióticos, eles só querem voltar para casa; sentar na cozinha e conversar com a mãe; passar o Natal com a família; abraçar a esposa outra vez.
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A leitura do livro é barra pesada. Muitas vezes estive parada com o volume entre as mãos, tendo dificuldade para prosseguir na leitura. Não se pode encontrar outra coisa que dor em um livro de cartas de guerra. Se tivesse de botar numa frase a conclusão que resulta, eu diria que a guerra mutila, aleija e destrói a alma e o corpo e que, neste sentido, é quase um escárnio falar em vencedor e vencidos. A derrota é o “prêmio” de todos, não tem outro jeito.