Em 19 de junho último, Chico Buarque de Hollanda completou 70 anos de idade e 50, de carreira. Muitas tem sido as manifestações para marcar a data. E com toda a razão.
Chico Buarque é um talento de primeira grandeza. É um talento raro – embora muita gente não conheça o seu trabalho a ponto de poder gostar. Não acharia um exagero se fossem dados cursos para esmiuçar tanto as letras quanto a musicalidade da sua produção, que em geral toma as formas mais populares do samba, da marcha, do choro, da valsa.
Chico Buarque é filho de uma família ilustre, parente do Aurélio, (aquele do Dicionário Aurelião). Ele teve acesso a uma formação sofisticada: aprendeu já na infância a tocar instrumentos e a falar outras línguas, viveu na Europa, leu muitos livros, mas nada disso fez dele um esnobe. Ao contrário, ele é capaz de uma simplicidade comovente. Ninguém se engane, todavia. Neste caso, simples não quer dizer simplório. A simplicidade do Chico passa longe da pobreza comum entre aqueles que não tem quase nada para dizer.
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Chico Buarque criou versões novas para histórias ou cantigas já existentes. É o caso do livro infantil “O chapeuzinho amarelo”; é o caso da canção “Teresinha”, que põe em outros termos a conhecida cantiga de roda; é o caso também da peça de teatro “Gota d’água”, que transporta para o cenário da favela carioca a tragédia Medéia, que primeiro foi celebrizada na Grécia antiga – a tragédia da mulher que mata os filhos para se vingar do companheiro que a abandona por outra mais jovem.
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A maioria das canções compostas por Chico Buarque falam de amor, nas suas variadas formas. O amor paterno, por exemplo. O “Acalanto para Helena”, para ficarmos com um caso, mostra o pai cantando para a filhinha dormir. Em vez de pedir que adormeça logo, ele pede que ela não cresça, que continue pequenininha e com medo do bicho-papão. Assim, ela fica protegida de sofrer, “pois a vida pode ser bem ruim. O papai é capaz de afugentar o bicho-papão, mas não tem o poder de afastar o sofrimento que certamente virá.
Outra característica de Chico Buarque é falar do ponto de vista da mulher. Nesta condição, saíram canções memoráveis, como “Amélia”, “Atrás da porta” e “Com açúcar com afeto”. Também, “Olhos nos olhos”, da qual copio abaixo uma estrofe:
“Quando você me quiser rever,
Já vai me encontrar refeita, pode crer.
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz,
Ao sentir que sem você eu passo bem demais.”