Seu filho não poderá andar, falar, ouvir ou se desenvolver normalmente como outras crianças. A notícia de possíveis limitações dada pelo médico choca pai e mãe. Ninguém está preparado para ouvi-la e é neste momento que vem a negação. Foi assim com Itamar e Leila Hammes, Jairo e Rejane Bicca e a família do menino Roberto Alves.
“O que eu fiz para merecer isso. Por que comigo?” e tantas outras perguntas surgem de imediato. A expectativa de formar uma família considerada normal se rompe com o diagnóstico das síndromes de cada um.
Quando Cecília tinha 1 ano e 5 meses, os pais Leila, 34 anos e Itamar Hammes, 47 anos, descobriram que ela tem uma doença genética que causa atraso no desenvolvimento psicomotor. Moradores do bairro Medianeira, em Arroio do Meio, eles tiveram de ir a Porto Alegre realizar o exame que diagnosticou o mau desenvolvimento do cromossomo 15 – a Síndrome de Angelman. “Foi meio ano de angústia até descobrir o que ela tinha. Foi um susto, mas também um alívio em saber o que era e poder tratar”, lembra a mãe.
A desconfiança de que algo estava errado surgiu no sétimo mês de vida da menina, porque ela ainda não sentava, capacidade que as crianças têm a partir do quinto mês. A partir dali começou a bateria de exames.
Cecília passa por vários exercícios de estimulação: hidroginástica, fisioterapia, equoterapia, terapia ocupacional e agora começou com fonoaudiologia para aprender a falar. “A ausência de fala é uma característica marcante da síndrome”, conta o casal.
O acompanhamento permite o desenvolvimento das capacidades da menina. Com 3,5 anos deu os primeiros passos. Hoje, aos 4, caminha mas precisa de apoio. Sua socialização é estimulada na comunidade, participando de eventos e na escola.
Ela estuda em uma turma regular e tem o acompanhamento de uma professora e uma monitora. “As próprias crianças a acolhem muito bem. A Cecília é muito afetiva, carinhosa”, se orgulha Leila.
Os pais observam que a filha é dependente, mas tem essa necessidade de convívio. No colégio aprende por imitação. “A gente percebe os avanços.” Na escola ela conhece regras e é tratada como igual.
Sofia, 7 anos, é a primogênita. Brinca bastante com a irmã. A sala da casa da família virou uma brinquedoteca, todos se divertem juntos. “Para a Sofia está sendo um ganho, um aprendizado que a amadurece”, cita Itamar.
Revelação de impacto
Itamar salienta que ama a filha acima de tudo, e anseia pelo seu beijo todos os dias. Mas esclarece que ter uma criança com deficiência não é uma bênção ou torna a filha um anjo como muitos gostam de lhes dizer. É, sim, um desafio diário. Apesar de todo o amor, ninguém deseja passar por isso. É um impacto, garante.
Ressaltam que os laços afetivos são maiores que qualquer coisa, e isso deve ser estendido para a sociedade. “Todos aprendemos com a situação, ainda estamos tateando.” Para eles, o preconceito tem que ser trabalhado, a sociedade tem seus padrões estéticos e intelectuais. Está preparada para trabalhar com o normal e não com o novo.
O sonho dos pais é que no futuro Cecília tenha quem sorria para ela e quem lhe dê um presente no Natal. Pensam na possibilidade de ter mais um filho, natural ou por adoção, para que quando morrerem, Sofia tenha alguém para ajudar nos cuidados com a irmã.
Tristeza inicial é normal
Conforme a psicóloga Claudia Sbaraini, as pessoas não estão acostumadas a lidar com as diferenças, para muitos elas geram desconforto e estranhamento. Para outros, há dúvida em saber como lidar com a situação.
Quando um bebê nasce com alguma síndrome a primeira reação de alguns pais é a frustração, o sentimento de que falharam em algum momento. “Por mais que possa parecer cruel tal sentimento em relação a uma criança tão frágil, não podemos condenar os pais pelo que sentem neste primeiro momento de apresentação.”
A notícia de que o bebê tão esperado e desejado é diferente dos outros pode gerar nos pais um sentimento de tristeza. “Não estão rejeitando seu bebê, estão nos dizendo que precisam de apoio, de informação, porque sabem que todos os sonhos que tiveram em relação àquela criança terão que ser modificados e reformulados.”
Claudia explica que para a maioria dos pais, o sentimento que vem depois deste primeiro estranhamento é a culpa. Culpa por terem sentido a tristeza, por não terem reconhecido imediatamente aquela criança e culpa por não estarem sendo os pais que tanto sonharam ser. “Eles precisam se liberar desta culpa e aceitar que não falharam em nada, para seguir adiante com mais força e menos peso.”
A psicóloga salienta que o que poderá definir em muito o que essa criança se tornará é como os pais irão amá-la, protegê-la e ainda mais importante, como irão desenvolver nela seus aspectos positivos e seu potencial.
Quando os pais conseguem aceitar essa etapa diferente em suas vidas, devem buscar auxílio médico e terapêutico para desenvolver as habilidades da criança. No entanto, muito terá que ser feito dentro do ambiente familiar. “O mais importante não é negar a diferença. Sim, ela é diferente!”
É preciso aceitar que ao sair na rua as pessoas irão olhar com curiosidade e nem por isso se deve deixar de sair. Quanto mais acostumada a criança estiver em seu ambiente social, mais fácil será para ela lidar com o olhar dos outros. “Os outros vão perguntar e responder com irritação não é o melhor para a criança. Se ela perceber que a pergunta dos outros gera irritação em seus pais, associará isso a ideia de que algo está errado. E nada há de errado com ela, ela só é diferente!”
Outra observação da psicóloga é que os pais devem perceber que as dificuldades podem ser superadas, que não existe o impossível. Ela é favorável a inclusão, com qualquer síndrome, no ambiente escolar. “Além dos benefícios da socialização para ela, as outras crianças aprendem a conviver com a diferença desde cedo, livrando-se de qualquer preconceito relacionado a diferença.” Ela salienta que as escolas precisam estar preparadas.
Existe um pensador que um dia disse que admira muito mais as pessoas que passaram por dificuldades na vida, porque estas pessoas tornaram-se muito mais sensíveis, humanas e solidárias. Claudia acredita que é isso que acontece com muitos desses pais. “Ser diferente pode ser muito bom, a diferença é o que nos enriquece.”
Amor de manos
Roberto Alves, 13 anos, tem paralisia cerebral. Mora com o irmão Gilberto, 33 anos e o pai Juvêncio, 62, no loteamento Glória, em Arroio do Meio. Depois que a mãe Maria Emília morreu, há 1,5 ano, Gilberto ficou responsável pelo garoto.
Conforme ele, o problema de Roberto resultou da falta de oxigenação no cérebro na hora do parto. Ele não fala, não anda e não tem coordenação para segurar objetos. Precisa de ajuda até para se alimentar. “Mas compreende tudo o que falamos”, pontua Gilberto.
O desenvolvimento do menino é motivado pelo acompanhamento na Associação de Pais e Amigos Excepcionais (Apae), escola regular, fonoaudióloga, natação e pintura.
Até o ano passado, a escola tinha uma professora com pós-graduação em estimulação que trabalhava isso com ele. “Ele estava progredindo bastante com os estímulos.”
O irmão se emociona quando fala como é viver com uma criança com necessidades especiais. Define como um aprendizado e fortalecimento do sentimento de família. “Você esquece de outras coisas como dinheiro.”
A dificuldade é encontrada no momento de trocar a roupa, pois os braços de Roberto são muito rígidos. “Aprendemos muito com ele, a ter humildade, respeitar o próximo, a ver as coisas de outro ângulo. É gratificante. Na verdade não somos nós que ensinamos a ele, mas ele que nos ensina a viver.”
Fala do preconceito das pessoas, das declarações de pena que ouve na rua e dos olhares racistas. “Ele não precisa de pena, é um ser humano como qualquer outro.” Gilberto ignora e segue a vida. “Preciso olhar para frente. Tenho algo a mais que é o meu irmão.”
Pequena batalhadora
Rejane, 32 anos, e Jairo Bicca, 38 anos, sonhavam muito com uma filha menina, para formar um casal com o filho Brayan, 8 anos. Quando suspeitou da gestação, fez três testes de farmácia e um de sangue pra confirmar. “Dia 8 de fevereiro de 2013 descobrimos que seria uma menina, não acreditávamos de tão felizes.”
Porém, em abril, os pais tiveram a primeira notícia que os deixou desesperados. “Descobrimos que ela teria fissura labial e palatal, choramos muito. Fomos atrás da Fundef em Lajeado e vimos que não seria tão difícil assim, que teríamos toda a assistência.”
Joana nasceu dia 13 de julho. Com 1 mês de vida teve uma érnia. Aos 2 meses, após uma consulta com a pediatra, foi internada na UTI, onde teve parada cardiorrespiratória. Ficou uma semana no hospital em Lajeado e mais duas em Encantado, onde moram. “Ela virava os olhinhos, fizemos uma tomografia e uma eco transfontanelar”, conta Rejane.
Dois neurologistas atestaram que a bebê tinha hidrencefalia e variante da síndrome Dandy Wolker, o que posteriormente foi descartado por outros dois profissionais de Porto Alegre. “Nos falaram então que ela tinha problema de visão. Três profissionais diferentes atestaram que sua visão é precária e com colobomas nos olhos, ainda não sabemos o quanto enxerga.”
Aos 4 meses passou pela primeira cirurgia para fechar a fenda labial, porém continuou a tomar leite na seringa até o sétimo mês. No 5º mês começou a frequentar a creche e teve boa adaptação.
Quando Joana tinha 6 meses, os pais receberam o diagnóstico de uma geneticista: Síndrome de Charge, que ocorre a cada 10 mil nascimentos, e atinge o sistema psicomotor, visão, audição, coração, entre outras anomalias.
No 7º mês começaram as seções de fisioterapia, a introdução do leite com mamadeira e a alimentação com papinhas. “Com muita calma ela aprendeu a mamar, mas não aceitava os alimentos. Foi aí que consultamos com um fonoaudiólogo, pois descobrimos que era uma disfunção da síndrome, uma repulsa alimentar.”
A partir do 8º mês, o quadro de Joana começou a estabilizar. As seções de fisioterapia se intensificaram, e mensalmente ocorrem consultas com a fonoaudióloga, oftalmologistas, Fundef e pediatra.
O casal afirma que Joana veio para unir ainda mais a família. “Foi a menina mais sonhada e desejada. Não poderia ter vindo mais perfeita. Veio nos ensinar o verdadeiro sentido de amar incondicionalmente e principalmente aprender o verdadeiro sentido da vida.”
O seu nome foi escolhido em homenagem à bisavó que tinha Joana no segundo nome, e por ser forte como é a menina, lembrando a história de Joana D’arc.