Você já ouviu esta fábula antes. Vou contar agora de novo. Talvez possa encorajar um recolhimento especial, que vai bem com a presente fase do ano.
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Era uma vez um viajante que corria para fugir de um elefante selvagem. O viajante corria desesperado pelo deserto. Por mais que procurasse, não enxergava chance de ajuda. Quando já lhe faltavam as forças, deparou um poço abandonado.
Não pensou nada, não olhou nada, meteu-se buraco a dentro e respirou aliviado. Quando os olhos começaram a se acostumar com a escuridão do buraco, foi pior. Viu que o buraco era fundo, e que lá embaixo se contorcia um monstro terrível. Tinha garras, espinhos e uma boca que botava chamas de fogo. Mais que depressa o homem se agarrou nos galhos de um arbusto que crescia rente ao local onde estava a cabeça. Ficou ali, aguentando o corpo com o muque dos braços. Não conseguia apoiar os pés. Eles resbalavam nas paredes úmidas.
Ficou ali o viajante. Ficou pendurando quanto pode aguentar.
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Quando não dava mais, tentou apoiar-se numa cavidade que mal alcançava. Mas a cavidade já estava ocupada. Era o ninho de uma família de cobras.
Dali a pouco, nova surpresa. Descobriu que um bando de ratos começava a roer o galho em que estava agarrado.
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Sem mais opção, o viajante caiu no choro. Era mesmo um coitado. Não podia sair do buraco porque um elefante o espreitava lá fora. Descer ao fundo também era impossível: lá o aguardava um dragão. Na altura dos pés, se abrigavam serpentes. Ratos roíam a ramagem que sustentava o seu corpo.
– O que podia fazer?
Enquanto pensava, o homem descobriu um favo de mel próximo à boca. Só precisava mover a cabeça para alcançar o favo.
Provou o doce. Sentiu a consoladora doçura do mel. Recostou a cabeça, fechou os olhos, respirou fundo e se concentrou na suavidade do mel.
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Moral da fábula: segundo a tradição, a história é uma representação da vida humana. (O último ato nunca traz happy end parecido com o que vemos em filmes.)
Saboreando o mel, o homem se distrai do destino. E é tudo o que pode fazer.