A frase do Conde Leon Tolstoi – nascido em Ianaia Poliana (1828) e falecido em Astapov (1910) – foi feita “de encomenda” para esse libelo sobre o morticínio do trânsito no Brasil e integra o consagrado Guerra e Paz, escrito entre 1865 e 1869.
A rigor, nada a ver, pois o que teria de ligação com o trânsito brasileiro, o livro de Tolstoi, que trata da sociedade russa na época das guerras napoleônicas?
O título, senhoras e senhores. O título: Guerra e Paz!
Vou ser mais explícito: esta crônica é mais uma em que, de uma ou outra forma, abordo o modal de transporte brasileiro e, ao final, acabo me convencendo que, até agora, pouco parece ter sido feito para mudar essa fratricida história.
Pense comigo agora, neste momento.
Você lembra de ter visto fotos de acidentes rodoviários nos últimos anos? Lembra? Sim? Eu também, lamentavelmente. E cada vez que leio uma manchete, vejo uma foto ou acompanho uma matéria em qualquer veículo de comunicação, sinto-me culpado por ainda não ter conseguido – por mais que tente – colocar na cabeça dos responsáveis pelas inúmeras administrações, que ali está, redivivo, o título da obra de Tolstoi: Guerra e Paz.
A Guerra, é claro, sempre representada pelas vidas que se foram, pelos veículos destroçados, famílias desesperadas, clima de tragédia e a dor em cada rosto dos que acompanham o pós-bomba. A Guerra é a Dor!
A Paz, na grande maioria dessas mesmas fotos – especialmente nos acidentes nas estradas – é sempre o imenso espaço que sobra nas laterais da rodovia acidentada, o espaço desfrutado por indescritíveis paisagens com árvores de gigantesco porte e flores miúdas mas de conjunto agradável aos olhos.
Normalmente, árvores que se adensam na distância, tão lindas que lembram a pergunta que a malvada rainha do conto da Branca de Neve fazia ao espelho: “espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”
No caso das árvores, o espelho vem respondendo, cada vez com mais veemência e indignação: “existe sim, majestades. Vós sois belas, mas ficariam mais bonitas, em vosso lugar, inadiáveis e seguras ferrovias, cujo papel de transportadoras de cargas pesadas e perigosas jamais deveria ser conferido aos caminhões, quanto mais não seja por sua presença, na média, em 4 de cada 10 acidentes nas rodovias nacionais.
Hoje, milhões de brasileiros continuam a olhar bosques e a enxergar neles apenas “lenha para fogueira”.
É o cúmulo da ironia, pois justamente neles estão duas respostas para o mesmo problema: o espaço para que se possam estender as ferrovias e a madeira de onde sairão os dormentes para os trilhos.
Estarei escrevendo em russo, Conde Tolstoi?