Estava no supermercado, escolhendo, comparando, empurrando o meu carrinho. Num certo ponto me dei conta de que o leite condensado anda barato.
Opa! Antes de você dar uma bronca, vou explicando a minha tese.
***
É assim. Quando éramos crianças, tudo o que não se colhia no quintal de casa, tudo o que vinha da indústria e tinha de ser comprado parecia muito bom e muito caro. Refrigerante era bom barbaridade. Chocolate, minha nossa! Enlatados, uau! Leite condensado, hors concours.
Nada podia ser melhor do que leite condensado. Leite condensado era o que os anjos deviam comer no céu.
***
O leite condensado só entrava em casa em grandes ocasiões. Comparecia, com parcimônia, nas mesas que deviam impressionar.
Na cozinha, enquanto se misturavam os ingredientes para compor a festa, já crescia o olho das crianças. Aceitavam de bom grado os servicinhos de leva-e-traz, para não arredar pé. Acompanhavam o processo com um interesse que normalmente só os brinquedos mereciam. Tudo isso, na esperança de rapar a sobra. Uma lata lambuzada valia ouro.
Se havia mais crianças numa casa, elas negociavam a administração do resto: ou se alternavam com a colher na mesma lata ou estabeleciam um revezamento para que a cada uma coubesse uma lata inteira – mas vazia, claro.
O certo é que não restava nenhum vestígio quando, finalmente, a embalagem ia para o lixo. Aliás, nem sempre a lixeira era o destino. O costume indicava reaproveitar as latas. Às vezes, plantavam-se folhagens, às vezes, elas eram processadas para servir como canecos, medidores, porta-lápis, etc. Comprava-se pouco nesse tempo e, ainda por cima, a granel. A consequência era haver escasso combustível para o lixo.
Bom, já que toquei no assunto, agora vou explicar as compras a granel.
Os produtos não vinham empacotados em frações, como estamos acostumados hoje. Os comerciantes os recebiam em quantidades grandes e serviam ao cliente no volume demandado. Ou seja, chegava-se no balcão da venda, pedia-se, por exemplo, um quarto de quilo de manteiga e lá ia o atendente pesar a manteiga ao gosto do freguês.
***
Hoje se compra quase tudo o que é consumido numa casa e os supermercados oferecem tantas tentações que o leite condensado foi perdendo o charme. Entre chocolates, iogurtes, frutas exóticas e o escambau, o leite condensado faz pouca vista. As novas seduções passam por cima, roubam a cena. O leite condensado resiste, mas sem o mesmo sangue azul. Agora é mais um na prateleira. Deixou de ser artigo caro. Virou coisa comum. Mixuruca, mesmo.
***
Quem diria que até o leite condensado perderia o trono…