No nosso tempo de criança, a escola mandava fazer muitas redações.
Tantas eram as redações que havia até um caderno reservado para esse fim. Ali ficava registrada a produção de um ano inteiro. Apesar desse destaque, não dá para dizer que o resultado fosse grande coisa e, muito menos, que a gente gostasse da tarefa.
Para falar a verdade, a gente não gostava nem um pouco. Fazer redação era um tipo de suplício que sabíamos encarar naquele tempo.
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Uma parte da chateação da escrita tinha de ser creditada aos temas repetidos. Alguns são inesquecíveis: “as minhas férias”; “a Páscoa”; “o Dia das Mães”; “o Dia dos Pais”; “a primavera”. O caso é que a tarefa vinha e ninguém sabia o que dizer.
Férias? Que férias! A gente ficava vagabundeando em casa quase do começo ao fim. Quando tudo ia bem, passavam-se uns dias em casa de parentes. Praia, nem pensar. Viagens longas, fora de cogitação.
Verdade seja dita: quem tinha irmãos se virava melhor nas férias – e quase todo mundo tinha. A companhia para brincar ficava bem à mão e os pretextos para brigar se arranjavam facilmente.
Quando se tratava de escrever sobre o Dia dos Pais e o Dia das Mães, o desafio parecia bem menor. Dava para repetir as fórmulas que circulavam amplamente.
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Hoje em dia, se for para escrever sobre a primavera, eu caio fora. Como todo mundo, também sou fã desta estação do ano. Mas, para escrever, só me ocorrem os tópicos que batiam ponto na redação antiga: as flores multicoloridas e o trinado dos pássaros, saltando de galho em galho. Sim, amigo, nas redações da escola os pássaros sempre trinavam, enquanto saltavam de galho em galho.
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Tema de casa era sagrado, por isso que enforcar a redação nem passava na cabeça. Fazer o quê se faltava inspiração?
A solução era convocar as artes da caligrafia.
Assim: para preencher as vinte ou trinta linhas de preceito, o pulo do gato era investir na letra. Aumentava-se e arredondava-se cada um dos caracteres e abria-se o máximo de espaço entre uma palavra e outra.
Mas o efeito disso tinha lá o seu limite. Só colava, se o arranjo não fosse além do ponto. Afrouxar um pouco a régua, sem chegar perto da indignidade – aí estava a fórmula salvadora.
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Estou me lembrando disto, enquanto acompanho notícias de embustes na esfera dos negócios públicos. A flexibilidade que aprendemos no caderno da escola poderia servir também aqui. Quero dizer, poderia ficar no esquadro de quem lida com a coisa pública.
Ser flexível, contemplar os muitos ângulos, os lados diferentes que envolvem cada ação, sim. Passar a perna na decência, isso não.