Sheakespeare, o escritor inglês, conta a história do Rei Lear em uma das peças que escreveu há cerca de 300 anos, no início do século XVII.
O Rei Lear tinha três filhas. Na velhice reparte a fortuna entre duas delas. Exatamente as duas que o adulam e cobrem de elogios o tempo todo. Sucede, porém, que elas param de fazer isso, logo depois de se ver donas da herança. A terceira filha, aquela que foi deserdada, é a única que se compadece do pai.
Pobre, doente, sozinho o Rei Lear chora. Chora ao dar-se conta de que se deixou enganar pelos elogios interesseiros. Neste ponto ele ouve um comentário do bobo da corte – (bobo?). O bobo diz: “Tu não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio”.
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Muitas pessoas levam a sério a tarefa de garantir uma situação tranquila para a velhice. Trabalham com afinco para deixar de ter preocupações com o pagamento das contas. Sabem que as oportunidades de ganho ficam reduzidas com o avanço da idade, na mesma proporção em que as despesas com saúde aumentam. Por isso planejam a forma de aplicar tempo e dinheiro. Querem desfrutar da aposentadoria com sossego
Tudo isto parece bem. Há um tempo de plantar e um tempo de colher – como até a natureza ensina. A história da cigarra e da formiga, por sua vez, mostra que gastar o verão cantando pode ter consequência amargas no inverno.
Só tem uma coisa. É intrigante observar que a preocupação em aumentar o patrimônio material não encontra equivalente no esforço por aumentar o patrimônio interno.
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Explico melhor.
O patrimônio interno responde pela soma das virtudes pessoais – coisas que podem não se enxergar a olho nu. Compõe-se de qualidades várias. Fazem parte desse patrimônio características como humildade, compaixão, alegria, generosidade, conhecimento, além de outras.
Todo mundo sabe que não é fácil ser uma pessoa de virtudes. Mas sabe-se também que é possível ir melhorando com o tempo, quando se está decidido a caminhar nessa direção.
O que parece melancólico é não aproveitar os tropeções da vida para evoluir, a ponto de chegar à velhice enredado em confusão. Como aconteceu com o Rei Lear, que ficou velho sem ter ficado sábio.
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Se o velho e o sábio acertam o passo, aumenta as chances de as pessoas continuarem sendo uma boa companhia na idade avançada. Companhia boa para os outros e – principalmente – para si mesmos. Pode não ser a salvação da lavoura, mas é certamente um destino melhor do que o do Rei Lear…