Calor ou mosquito – você prefere o quê?
Não vale responder que não prefere nada. Tem de escolher.
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Acredite se quiser, este era o dilema que nós enfrentávamos nos verões de antigamente. Dilema – como se sabe – é o aperto para escolher entre duas alternativas igualmente ruins.
Como escolher entre o calor ou os mosquitos?
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No verão antigo, ventilador era objeto raro. Quando uma casa tinha ventilador, ufa, que máximo! Mas, havendo um ventilador, outro problema aparecia. Qual seja, como dividir o vento entre a família inteira?
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Se não tinha vento para todos, mosquito tinha. Ah! isso tinha.
Os pernilongos invadiam as casas ao entardecer e vinham cheios das piores intenções. O jeito era fechar portas e janelas para barrar a entrada. Melhor ainda se, depois de fechar tudo, fosse aplicado inseticida. O inseticida era borrifado com uma máquina manual. A mão esquerda segurava a peça e a direita puxava e empurrava uma haste de metal. O vaivém lançava o produto ao ar. Não sei que nome tinha a tal da máquina, mas o barulho que produzia continuo ouvindo hoje: futch, futch, futch.
Na hora de dormir, abriam-se as janelas para ventilar o ambiente e para aliviar o ar envenenado. Mas, infelizmente, não estava tudo resolvido. Uma noite sem mosquitos requeria outros ardis. Recurso extra era o Boa Noite. O Boa Noite consistia numa chapinha verde com formato em espiral que, fixada numa pequena base de metal, deixava a cinza cair sobre um prato ou algo assim. Acendia-se o Boa Noite com um fósforo. À medida que o material queimava, produzia fumaça. O efeito pretendido era espantar os mosquitos que, por desventura, houvessem resistido até ali. E sempre sobrava vários, isso posso garantir.
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O ritual que descrevi, apesar de trabalhoso, não funcionava muito bem. Dali a pouco vinha um mosquito cantar no ouvido e aplicar uma picada na parte que estivesse mais a jeito. A solução era puxar o lençol até por cima da cabeça. Mas aí, aí o calor comparecia e a gente sufocava debaixo do lençol.
De modo que a noite parecia uma corrida de revezamento: lençol-mosquito-mosquito-lençol. Com lençol não tinha mosquito, mas tinha calor; sem lençol tinha menos calor, mas tinha mosquito. Escolher o quê? Para ser franca, até hoje não fui capaz de decidir.
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Se fosse para os jovens de agora atravessar os verões do nosso tempo, como será que iam se ver?
Vamos guardar na manga esta pergunta. Fica pra hora de alguém dizer que somos desastrados com tecnologias. Cá entre nós, perto das agruras dos verões antigos, aprender macetes da modernidade é barbada pura.