Diz a lenda que a profissão de pescador é uma das mais antigas do mundo. Além de ser uma atividade de descontração e recreação para quem gosta de estar em meio à natureza e especialmente na água, é claro, a pesca é considerada rentável para quem tem conhecimento técnico, prático e infraestrutura.
Entretanto, o período de Quaresma é tido como o menos farto nos mananciais. Por isso a maioria dos pescadores evita viajar para outras bacias hidrográficas, a fim de não ter prejuízos desnecessários. “Não se sabe se a prática é intensificada em decorrência do aumento da demanda de mercado, se são fatores relacionados ao clima e lua, ou outros. Em fevereiro, logo após a piracema, a pesca estava razoável e geralmente algumas semanas após a Páscoa a situação melhora relativamente”, comenta o pescador artesanal profissional, Ademir Bruismann, de 48 anos, morador da localidade de Esperança em Rui Barbosa, Arroio do Meio e tesoureiro da Colônia de Pescadores Z-20.
Bruismann iniciou seu envolvimento em grandes pescas há cerca de 20 anos, ao ser convidado por amigos para acampamentos pesqueiros. Atua profissionalmente desde 2004, assim que teve condições para financiar seu primeiro barco, motor de popa e reboque, equipamentos, materiais de pesca, segurança e acampamento.
Como boa parte dos 300 pescadores associados à Colônia Z-20, seus destinos preferidos são lagos, represas e rios em outras regiões como Alegrete, Aceguá, Candiota, Pedras Altas e Itaqui, onde as pescarias rendem de 120 a 250 kg em média. “Às vezes chegam a 400 kg. Se pudéssemos ficar mais dias, seriam ainda melhores”, revela.
Conforme o pescador, as despesas para pescar na fronteira do RS giram em torno de R$ 900 incluindo combustível no deslocamento rodoviário e fluvial. O custo alto não permite arriscar viagens na Quaresma, quando se pesca menos de 100 kg, podendo chegar a até 30 kg. “São necessários entre 40 kg e 65 kg apenas para as despesas”, explica.
A justificativa para o melhor rendimento fora da Região dos Vales – na alta temporada de pesca (maio/novembro) –, é o maior respeito à legislação e a união entre os pescadores para preservar suas bacias hidrográficas. “Há menos pescadores. E em muitos locais só entra de fora quem é convidado. Um exemplo está no Pantanal, onde apenas é permitida a pesca esportiva, e não há dificuldades para bons resultados apenas com o caniço ou molinete”, detalha.
No rio Taquari infelizmente a pesca predatória, com redes de malhas menores que as permitidas, dificulta o desenvolvimento e a reprodução dos peixes. Quem respeita as normas acaba pescando poucos exemplares. “Numa das pescarias da Quaresma, estendemos 33 redes e cinco espinhéis. Pegamos apenas nove peixes e seis muçuns que renderam em torno de 8 kg. No mais, apenas lixo, como sacolas plásticas e garrafas pet que afugentam os peixes. Aqui acaba sendo viável apenas para quem mora na barranca e pesca assiduamente, colocando materiais praticamente todos os dias, diminuindo as despesas com deslocamentos e acampamentos”, dimensiona.
Outros pescadores também alertam sobre a prática predatória que ocorre em diversos pontos da bacia do rio Taquari e cobram mais eficiência do Grupo de Patrulhamento Ambiental (GPA-BM) no atendimento a denúncias.
A experiência que faz a diferença
Um pescador de sucesso precisa de sorte, conhecimento e paciência. Boa técnica para manutenção e reparos de redes e equipamentos, para aumentar a vida útil e não recorrer tanto a serviços terceirizados. Autossuficiência no máximo de quesitos possíveis, não dependendo tanto de aluguéis e compra de insumos, como fabricação do próprio gelo no verão. Respeitar a natureza e zelar pela segurança para evitar acidentes. “Nunca caí no rio”, afirma.
O principal dos desalentos é ter que deixar o conforto do lar no inverno e passar noites frias no acampamento. O lado bom da estação gelada, com ressalvas aos cuidados com a saúde, é o fato de haver mais espécies nadando na superfície e canais, sendo necessário menos manejo para bons rendimentos. E ao mesmo tempo ocorre menos descarte de peixe pela facilidade de acomodação dos pescados.
Seu companheiro de pesca, Erdson Backert, 45 anos, complementa que a experiência também ajuda a minimizar equívocos, privilegia o retorno a bons poços, reconhecimento de canais e cardumes. “Os peixes geralmente fazem o mesmo trilho e ficam nas mesmas tocas”, observa. Bruismann acrescenta que a maioria dos locais para pescas mais fartas é inacessível com automóveis e que obriga carregar o material de acampamento nos barcos.
Atualmente Bruismann, Barckert e a maioria dos pescadores profissionais artesanais do Vale do Taquari, dependem de outros bicos para garantir a renda familiar. “Só de pesca passaríamos fome”, reconhecem.
Mas, apesar dos momentos de frustração em pescarias ruins, os apreciadores de carne branca – considerada uma das mais nutritivas, leves e importantes para longevidade –, valorizam muito os profissionais da água. Tanto é que praticamente todos os pescados são comercializados rapidamente e diretamente para o consumidor final, prontos para o preparo. Não sobra para o varejo. “Se tivéssemos mais, venderíamos mais. O peixe de rio é muito apreciado”, afirma.
Em geral o valor do quilo parte de R$ 8 para espécies menos nobres e atinge R$ 22 em alguns tipos filés. Na Semana Santa a cotação eleva para até R$ 25 quando também são feitas muitas encomendas da manta de peixe, para o preparo recheado e escabeches (peixes em conserva). Nas últimas semanas a maioria dos profissionais está envolvida com os preparativos de feiras e oferta de produtos.
Problemas na regularização de carteiras de pesca
Se na região há mais de 300 pescadores artesanais que atuam profissionalmente, grande parte não está conseguindo regularizar sua carteira profissional em decorrência de problemas na portaria responsável pela emissão. Apenas é expedida uma licença provisória que dificulta a legalização da venda dos pescados.
De acordo com o presidente do Z-20, José Leo Käfer, esse impasse iniciou durante recadastramento de todos os pescadores (Governo Dilma), que tinha a iniciativa de combater fraudes no Seguro Defesa – salário mínimo direcionado a pescadores pobres ou que dependem exclusivamente da profissão durante a piracema. E foi intensificado após o troca-troca de ministérios do governo federal que incorporavam o departamento de pesca.
Sem a carteira é impossível emitir notas com o talão. O que é considerado, no mínimo contraditório e uma ironia, pois sem a formalização da profissão deixam de ser arrecadados impostos e se perde a dimensão da expressão da pesca na economia. Käfer estima que a demanda reprimida é de 150 na região e não tem perspectivas para uma solução na portaria durante o ano eleitoral. “É notório que o governo não cumpre a sua parte”, evidencia.
A taxa para ser um pescador artesanal profissional de água doce é uma anuidade de R$ 120. Os interessados devem apresentar cópias autenticadas do RG, CPF ou CNH, comprovante de residência, fotos 3×4, cópia da Carteira de Trabalho e Número do PIS ou comprovante do tipo de aposentadoria.
Cada bacia pesqueira ou barragem tem legislação específica, conforme proximidade de nascentes. O que delimita o uso de equipamentos, materiais e técnicas de pesca. Há muitos locais que determinadas malhas de rede, ou o uso de qualquer rede, tipos esperas e espinheis, são expressamente proibidos. Em rios que ficam em áreas privadas, inclusive a conduta dos pescadores é observada.
Käfer observa que há uma drástica diferença entre pescadores que atuam pela subsistência e comercialização nas imediações das vilas em que residem e pescam, dos pescadores que têm uma boa bagagem de experiência e estrutura para pescar em ambientes diferentes dos convencionais.
O uso de rede para uma pesca farta, segundo ele, é opcional e nem sempre é sinônimo de lucratividade, pois podem ficar enroscadas e arrebentar. A pesca com anzóis e espinhéis dá mais trabalho, mas os riscos são reduzidos. “É preciso ter conhecimento. Uma camionete 4×4. Um barco com tamanho a partir de seis metros e motor de poupa de 15hp. Bons equipamentos e materiais específicos. Isso possibilita pescar de 200 a 300 kg por pescaria”, dimensiona.
O presidente lamenta que no rio Taquari infelizmente há muito furtos de materiais de pesca, o que considera antiético e um desrespeito, e repudia a pesca predatória. “Geralmente é feito por sacanagem e prepotência de gente que não precisa disso”, estima. Quanto à proliferação do mexilhão dourado, ameniza: “se pensava que era ruim para o ecossistema por ser exótico, mas constatamos que ele tem sido um dos principais alimentos para os nossos peixes”, revela.
Natural de Arroio Grande, José Leo Käfer, de 66 anos, preside a Z-20 desde a sua fundação em 1996. Antes disso sempre atuou na intermediação dos interesses pesqueiros da região com órgãos estaduais. Aprendeu a pescar na infância, no arroio do Engenho quando sua família já morava em Lajeado. Na juventude trabalhava numa olaria, e para complementar a renda da família pescava.
Multas podem ultrapassar R$ 100 mil
Na última temporada o Grupo de Patrulhamento Ambiental da Brigada Militar (GPA-BM) de Estrela, abordou 267 pescadores, sendo 242 amadores. Apenas quatro estavam com a documentação irregular. Entretanto, o comandante e sargento, Dari Júlio Scherer, explica que a prorrogação da emissão das carteiras de pesca profissional até o final deste ano e a portaria nº 1.275-SEI/2017 abrem brechas, tornando válidos registros de pesca vencidos e suspensos ou ainda em análise, além de reconhecer os protocolos de solicitação de registro inicial como aptos para o exercício da pesca.
Segundo Scherer a falta de regras definidas dificulta ações mais ostensivas. Orienta-se que as pessoas e pescadores atendam as normas gerais de pesca. “Somente com a conscientização se pode chegar a um equilíbrio na atividade de pesca e não só depende da ação do Estado, e sim da colaboração de todos”, reitera.
A fiscalização ocorre em regime de patrulhas e mediante denúncias feitas por populares e ONGs da região. “É preciso insistir nas ligações e contatos. Às vezes os patrulheiros estão nos rios e matas, em locais onde não é possível atender o telefone. E só com informações se consegue apurar irregularidades”, justifica.
Apesar das indefinições na legislação, nos 37 boletins de atendimento da última temporada foram recolhidos 2.135 metros de redes, 1.230 metros de espinheis irregulares, 12 covos, 25 boias loucas, 12 tarrafas, cinco embarcações, entre outros equipamentos e materiais irregulares que resultaram em seis prisões em flagrante e sete relatórios ao Ministério Público Estadual. Mais de 650 espécies foram devolvidas à água e cerca de 50 encontradas mortas.
A Polícia Ambiental não aplica as multas diretamente. As infrações são enviadas ao órgão atuador junto ao Ibama com amparo a Lei de Crimes Ambientais 9605/1998 que encaminha inquérito policial com copia ao MP para atingir os efeitos na esfera penal.
Proibições ao pescador profissional
• pescar na piracema ou em lugares interditados
• capturar espécies que devem ser preservadas (dourado no RS), tamanhos inferiores ao permitido; e quantidade superiores às permitidas;
• utilização de aparelhos, apetrechos, técnicas e métodos não permitidos
• redes de arrasto e de lance (cerco); redes que ultrapassem 1/3 do ambiente aquático; redes a menos de 200 metros das zonas de confluência de rios, lagoas e corredeiras; redes a menos de 100 metros uma da outra;
e rede eletrônica.
• transportar, comercializar, beneficiar ou industrializar espécimes provenientes
da coleta, apanha e pesca proibida;
• uso de explosivos ou substâncias que em contato com água produzam efeitos semelhantes; produtos tóxicos ou outro meio proibido.
MULTAS E PENAS: reclusão de um a cinco anos e multa de R$ 700 a R$ 100 mil, acrescidos por R$ 10 por quilo de produto.
PROIBIÇÕES PARA AMADORES:
• uso de tarrafa
• aparelhos de respiração
• espécies em extinção
Observação: exercer a pesca profissional ou amadora sem autorização do órgão competente pode gerar multa de R$ 500 a R$ 2 mil
TAMANHOS MÍNIMOS DAS ESPÉCIES NATIVAS DO VALE DO TAQUARI
Pintado e viola: 18 cm
Piava, jundiá, grumatã e cascudo: 30 cm
Observação: apenas 10% da pescaria pode ser abaixo do tamanho mínimo