Aqui estamos nós outra vez diante da Páscoa. O clima de outono, este cheirinho de marcela e, na boca, o gosto de amendoim preparado com açúcar (e com afeto) revivem na memória um encantamento antigo. Nossa recordação traz de volta o tempo dos coelhos, aqueles que não apenas botavam ovos, mas também se encarregavam de pintá-los com uma intenção certeira e boa. Iam esconder essas preciosidades exatamente na cestinha que a gente tinha arrumado com toda a alegria do verdor da vida.
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Aqui estamos nós – os que entram na velhice – tocados pela suave nostalgia de uma estação remota. Uma tristeza escondidinha lá no fundo turva nosso olhar contente. Nós estamos satisfeitos com a vida que levamos hoje. E como! Não é disso que estamos reclamando. O que gostaríamos era ter de volta a simplicidade que nos botava a procurar ninhos escondidos no quintal e a valorizar singelos presentinhos fabricados em casa mesmo.
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Temos saudade de uma inocência quase impossível agora, quando a tecnologia e o consumo é que dão as cartas. Sem falar na violência: notícias de assaltos tiram o ânimo de procurar ninhos fora da porta gradeada, mesmo se houvesse ninhos para procurar ainda. Ao mesmo tempo, cabe reconhecer, há prazeres novos nos refúgios com cercas e alarmes que habitamos. Vivemos deliciados diante da TV e achamos ótimo pegar água da torneira em vez de buscar no poço com um balde. Mas, permanece uma sensação incômoda. Alguma coisa nos arranha a alma na contramão das facilidades que apreciamos tanto. Aí, a interpretação mais fácil é achar que um antigamente bom foi substituído pelo salve-se-quem-puder de agora.
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Mas a explicação pode ser outra.
Para além das novidades que botaram no chinelo o saber antigo, é bem provável que a contrariedade venha do reconhecimento da nossa inapelável finitude. A simbologia da Páscoa está associada com passagem. Passagem da vida para a morte, da morte para a vida. Fica difícil esquecer, por isso mesmo, a verdade crua: o tempo passa. A vida vira a página, vira a página sem cessar, até o ponto de nos empurrar para fora da história. O capítulo que uma vez nós vivemos como protagonistas agora está habitado por outros personagens. Não somos mais nós, são outros. São outros os que hoje correm atrás de ninhos – ou seja lá que fantasias empolgam as crianças de hoje em dia na estação da Páscoa.