Quase toda a semana tomo um café em Porto Alegre, no estabelecimento de um rapaz que se criou na localidade de Três Saltos. Ali, ele foi criança, na época em que o município de Arroio do Meio ocupava um território bem maior do que hoje, antes das emancipações dos antigos distritos. Como aconteceu com muitos na nossa região, o tal rapaz saiu da roça em busca de oportunidades. Este foi ajudar um parente que tinha armazém em Porto Alegre.
Só ele e Deus sabem quanto esforço esse movimento demandou. O que todos sabem é que, ao fim de uma década e pouco, conseguiu também ser dono de um armazém. Mais adiante, foi capaz de ampliar o negócio e acrescentou um açougue. Depois, uma padaria. Depois, um café e, bem recentemente, um restaurante que serve almoço de segunda a sábado.
Tudo está mais fácil agora, porque os produtos que vende ele também transforma em comida e o custo da operação resulta competitivo.
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Não sei onde vai parar o moço de Três Saltos. O que sei é que ele já deu mais do que três saltos na sua vida. Veio do mundo rural, aquele no qual as crianças vivem em franca sintonia com a natureza: os pés sofrem com o frio do inverno; o corpo sufoca com o calor do verão. Desde sempre essas crianças sabem cuidar das frutas e das verduras. Reconhecem quais são as laranjas melhores e qual é a espiga de milho mais nutrida. Têm intimidade com os mistérios da multiplicação dos animais e conseguem avaliar a qualidade da carne só com o olhar.
É claro que este saber vale muito ao moço de Três Saltos. Assim como lhe vale a dura aprendizagem da infância, a época em que ele aprendeu que o trabalho é o único meio capaz de mudar as coisas. O único! Nada chega de graça. É preciso arrancar no muque. Sem descanso.
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Pois nesta semana conheci a filhinha do rapaz de Três Saltos. Ela anda pelos três anos de idade. A menina passava o tempo no armazém, provavelmente em função de algum imprevisto na rotina. Eu fiquei observando.
Sentada junto a uma mesa, manejava um iPad. Grudada na tela, sorria ou fazia ar de susto, respondendo às imagens que via.
Nem uma vez pediu para atravessar a rua e brincar na pracinha que fica defronte. Aliás, se alguém tivesse convidado, é possível que ela recusasse. O mundo que vinha pelo iPad parecia suficiente.
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Perguntas que ficam:
– Qual a distância que vai entre a infância do pai e a infância da filha?
– O pai conseguirá ou não passar adiante o patrimônio do saber que conquistou ao longo da vida?