Era uma vez um reino que vivia bem até o dia em que teve sua paz ameaçada. Acontece que havia ali dois súditos que brigavam perigosamente. Tal era o nível do conflito que acabou se tornando um problema grande mesmo. Preocupado, o soberano reuniu os sábios. Queria ouvir conselhos, antes de agir. No fim, decidiu intervir ele mesmo, pessoalmente.
Mandou vir à sua presença um dos súditos brigões. Fez uma introdução amável e, então, lhe disse:
– Podes me pedir o que quiseres e eu te darei. Só tem uma coisa, o mesmo que tu pedires para ti eu darei em dobro para o teu inimigo.
A proposta do rei estava baseada em uma ideia. A ideia de que a oferta generosa e a perspectiva de abundância para todos abriria espaço para um clima de conciliação.
O homem ouviu a proposta e não respondeu nada. Disse que precisava de um tempo para pensar.
O rei ficou meio desapontado, mas concordou:
– Ok, tome o tempo necessário. Eu espero.
O homem voltou para casa e pensou. Pensou. Pensou. Pensou e, um dia veio com a resposta:
– Senhor, tira-me um olho.
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Esta história é contada de muitas maneiras e em muitas línguas. Às vezes termina assim, às vezes, em vez do olho, vem o pedido de cortar um braço, uma mão, uma perna.
É interessante que a situação esteja registrada em línguas e em culturas diferentes. Isto leva a crer que a história focaliza um sentimento que é humano – difícil de admitir, diga-se de passagem – mas humano. E “o que é do homem não é estranho ao homem”, já dizia Terêncio, filósofo da antiguidade.
Ou seja, estamos falando aqui da satisfação de ver numa pior o nosso desafeto. Isto mostra que a desgraça alheia pode ser fonte de alegria. A tal ponto que, na história contada acima, o pedido foi feito pensando que a dor do inimigo seria ainda maior do que a dor infligida a si mesmo. Quer dizer, eu posso ficar caolho, mas o outro fica cego. O importante é que o próximo sofra mais.
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Meio chato reconhecer, mas a história pode se aplicar a algumas situações da nossa vida pessoal e coletiva. Se você não acredita nisso, pense no ponto a que às vezes chegam as rivalidades esportivas.
Dando um passo a mais, permite reconhecer que uma atmosfera assim também consegue contaminar todo um país – mesmo que de forma meio difusa, meio inconsciente. Criam-se grupos de pensamento tão divergente que um grupo se alegra quando o outro grupo quebra a cara. Um grupo se alegra a ponto de esquecer que a cara que se quebra não é outra cara do que a cara nacional.
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Mais ou menos como o método do “olho por olho, dente por dente”… Olho por olho, dente por dente e, no fim, todo mundo fica cego e desdentado.