Fui assistir ao show do Chico Buarque em sua recente temporada em Porto Alegre. Espetáculo lindo! Experiência impossível de apagar dos olhos e da mente! Luzes em variados tons e formas e ele, Chico, ali, quase alheio ao seu entorno, econômico de falas, munido só da voz, do violão e do seu talento excepcional. Minha nossa! Os suspiros todos convergindo para a grandeza do artista, mesmo que os integrantes de sua banda dessem conta de encher o auditório de harmonias.
Eu nunca apreciara um espetáculo deste quilate. Já assisti a shows na Broadway, suntuosos e feéricos, mas sem a alma toda desembrulhada assim à nossa frente, como agora nesse show. Nunca sentira impacto assim…
Peraí.
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Em termos de impacto, acho que posso comparar com outro, a que assisti na infância. Teria 4 ou 5 anos de idade. Foi também deslumbramento, se você pode acreditar. Sem confirmar detalhes com outras testemunhas, eis o que a minha memória entesourou:
Morávamos em Pouso Novo e era o tempo de férias. Os rapazes do lugar – alguns provavelmente a bordo das ideias colhidas no colégio interno, de onde estavam momentaneamente em folga – os rapazes resolveram fazer teatro. Não posso lembrar se o objetivo era angariar fundos para alguma causa nobre – um piquenique deles, por exemplo – não lembro. Ficaram comigo só pedaços de um tipo de evento, que se inaugurava no meu repertório.
O local era o pavilhão de madeira junto à igreja, o mesmo das festas da comunidade. Aquele espaço era tão útil quanto pobrinho: chão batido, mesas e bancos rústicos, janelas simplesmente recortadas das paredes e abertas com a ajuda de uma estaca. Inesquecíveis festas! Compravam-se fichas para o churrasco que era saboreado junto com o pão e a salada vindos de casa, por questão de economia. Festas que percorriam o dia todo com o cheiro de cerveja derramada e com o incomparável sabor de uma laranjinha. Pois bem! Nesse local se improvisou um palco e se enfileiraram bancos para o respeitável público. Era noite e não tinha luz elétrica – faltava um tempo ainda para essa maravilha chegar ali. Na minha memória o local estava superlotado. Mas não lembro do enredo dos sucessivos números artísticos. Talvez o sono me roubasse partes do espetáculo. O que ficou foi uma cena e a canção que a acompanhava.
Assim:
Lampião a querosene iluminava uma silhueta de mulher entrevista na janela. Fora, mais próximo do público, ressoava a cantoria. Sem o apoio de nenhuma banda, sem a colaboração de holofotes coloridos – como se viu no show do Chico – erguia-se a voz que queria seduzir com um convite. Um convite repetido e repetido, mesmo todos sabendo que jamais teria resposta positiva. Uns versinhos, que posso evocar agora, depois que tantos, tantos anos se passaram:
“Catarina, vem aqui.
É uma hora que aqui estou.
A lua está bonita e eu não posso mais dormir.”