Fui assistir ao filme “As herdeiras”. A motivação principal era conhecer algo do cinema paraguaio, já que a história se passa em Assunção e o elenco também é local. Além disso “As herdeiras” teve destaque no festival de cinema de Gramado e já tinha conquistado prêmio no prestigioso festival de Berlin.
A história se passa em ambiente de gente rica. Numa casa que foi próspera no passado vive um casal de mulheres: Chela e Chiquita. Elas aparentemente não têm rendimentos, pois estão se desfazendo do que herdaram: móveis, quadros, porcelanas, cristais, etc. Há várias cenas com pessoas entrando na casa e acertando o preço para levar um objeto. Chela é a personagem principal. Apática, meio depressiva, fala pouco, age menos ainda. Tem de ser continuamente encorajada pela companheira ou por amigas. As outras a ajudam a se vestir, tomam decisões por ela e ela se deixa levar. Alheia ao que acontece ao redor, Chela continua vivendo como rica. Segue necessitando de uma empregada, por exemplo, para servir-lhe o chá numa bandeja de prata. Ocupa-se com a pintura de uma tela que nunca conclui. Passa a maior parte do tempo deitada, sonolenta. Mas acontece uma reviravolta. A mudança vem com a prisão de Chiquita, condenada por causa de dívidas. A pedido das amigas, Chela começa a levar e buscar pessoas com seu carro e a ganhar dinheiro na atividade. Quando, por fim, Chiquita sai da cadeia sua figura não tem mais a mesma importância. Mais tarde, ao anunciar que já acertou a venda do carro, Chela não diz nada. Simplesmente vai embora sem ser vista. Desaparece e leva o carro. Neste ponto o filme termina.
Saí do cinema meio atrapalhada, sem saber bem o que pensar. Seria preciso ruminar o filme e ler sobre ele, para atinar com o motivo do destaque que mereceu nos festivais de cinema.
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Pois bem, agora me arrisco a dizer que, entre outros pontos, “As herdeiras” fala da condição sul-americana. Nossos povos são herdeiros de propriedades ricas e também de uma notória passividade, bem ao estilo de Chela. Em geral não nos incomodamos com o fato de outros tomarem decisões por nós. Tampouco nos constrange arranjar quem trabalhe por nós, como faz a empregada que arruma minuciosamente a bandeja do chá, que recebe os compradores da mobília e alcança para a patroa o dinheiro que pagam. Talvez até gostemos de ceder o espaço para a iniciativa alheia. Mas…
Mas pode chegar o dia da virada. Aquele em que o indivíduo decide que vai viver do seu esforço e do seu jeito, como Chela faz indo embora com o carro.
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Estamos às portas de nova eleição no Brasil. Os solavancos da história recente – até com prisões – dão chance de acreditar que vimos amadurecendo um futuro melhor e que uma reviravolta pode acontecer. Sim, pode.
Mas, vale aqui lembrar a canção que Geraldo Vandré escreveu e cantou em 1968. Vandré apontava o caminho inverso da passividade e do conformismo, dizendo:
“Quem sabe faz a hora não espera acontecer.