Amanhã é dia de São Miguel.
Se você acha pouca coisa é por que não foi aluno no meu tempo de Colégio São Miguel.
Acontece que a data rendia um belo feriado e encerrava o mês de setembro com chave de ouro puro. O que podia ser melhor do que um feriado naqueles verdes anos?
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Setembro era um mês bem camarada. Além do dia 7, que requeria ensaios para o desfile do dia da pátria – menos aulas, portanto – setembro ainda trazia chuvas e, com sorte – no nosso inocente entendimento – setembro poderia nos brindar com o bônus das enchentes. Enchentes mesmo ou só ameaça, não tinha importância. O bom era que as chuvas suspendiam as atividades escolares. Quando os arroios cresciam muito, os pais optavam por deixar em casa os filhos. A turma do centro da cidade era pequena, de modo que a folgança se instalava. Durava pouco, mas era um alívio imenso. As forças da natureza conspiravam para detonar a disciplina que nos mantinha aguilhoados. Benditas chuvas!
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Mas o que eu queria aqui desde o começo era falar da rebelião que aconteceu nos céus e teve o protagonismo de Miguel – o anjo festejado neste sábado. Contam que foi assim: Lúcifer era um anjo de extraordinária formosura e perfeição. O orgulho dessas qualidades acendeu nele o desejo de ser mais e o levou à rebeldia. Em seu coração, Lúcifer planejava erguer um trono acima de todas as estrelas. Ou seja, encheu-se de soberba e desafiou o Criador. Houve uma grande batalha entre Lúcifer e Miguel, este, representando Deus. Como resultado veio a expulsão do paraíso. Lúcifer – que simboliza o mal – não foi, portanto, aniquilado. Foi afastado da presença de Deus. Banido. O castigo ganhou forma na exclusão. Não tome isto por café pequeno, leitor amigo. A simples indiferença já seria grande punição, quanto mais, ser tirado do convívio dos eleitos. Exclusão pode ser pior que morte.
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Pois é, os mitos antigos – como este embate de Miguel com Lúcifer – dão conta das variadas faces da humana natureza. Vejamos. Por um lado, a vaidade e a soberba são pecados que continuam na moda (e como!); por outro, o temor de ser expulso de deixar de pertencer também se mantem robusto. Ninguém quer ser impedido de entrar no baile – para usar uma expressão suave.
E agora vêm as dúvidas:
– O esforço dos modernos para estar por dentro, para acompanhar a onda, esse esforço não seria sinal do medo? Quero dizer, tanto empenho por viver conforme a bula seria mostra do pavor de despencar do paraíso, onde os felizes fazem festa?
– Seria também por medo da expulsão que desistimos de construir o nosso jeito, o jeito próprio de felicidade, e aplicamos tanta gana em criticar os que ousam caminhar na contramão?