O século XX viu acontecer uma revolução sem precedentes nos costumes. No mundo ocidental, as mulheres conquistaram o direito de sair à rua e de ganhar o pão e, talvez, também o mel que comem. Perderam a proteção de casa, sim, mas, entre outras coisas, conseguiram ter conta bancária abastecida com o suor do próprio rosto – e a independência que isto proporciona.
A situação tem todo o jeito de uma história com final feliz, mas pode ser bem o contrário. O novo status traz uma armadilha em que é muito fácil se enredar.
Na medida em que podem sustentar os seus caprichos, as mulheres aumentaram a chance de ser fisgadas pela arapuca da beleza. A beleza virou uma ditadura. Uma ditadura que dá lucro. Só que o lucro vai para a indústria da beleza – não para mulheres como você e eu, que simplesmente gostaríamos de ser lindas como as atrizes e as modelos. Conclusão: nós pensamos que somos decididas e modernas, mas podemos estar nos tornando pouco mais que servas.
É assim: se cortar o cabelo em pontas está na moda, nós cortamos. Se uma loção com ingredientes X for recomendado para a pele, esfregamos a loção. Se um par de tênis promete definir os músculos dos glúteos, pois então, venha de lá o tênis. Se a meia-estação requer vestir camisa e short, tratamos de caber num short. Ridículo? Ridículo ficou sendo desconhecer o que está na moda. A estética parece um novo deus. Vale mais do que a saúde física e a saúde das finanças.
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Queríamos ser donas do próprio nariz, mas acabamos com o nariz preso na armadilha. Meio que perdemos o direito de nos aceitar do jeito que nós somos – sem as pernas longas, sem os olhos azuis, sem a magreza necessária.
O caso é que, se não conseguimos aceitar nem as nossas imperfeições físicas, fica mais difícil de aceitar as imperfeições do mundo. Fica mais difícil tolerar a dor da vida, a doença, a frustração, a saudade, o erro…
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Mais ainda. Além do papel que temos na família, além de manter o nosso emprego e além de tantos compromissos com o tratamento da aparência, como reconhecer as nossas necessidades mais profundas? Como abrir espaço para o silêncio, para uma leitura nutritiva, para a alegria serena? Cadê a chance de furar a superfície e alimentar a alma?