Conta a lenda que, na Copa do Mundo de 1958, o técnico Feola da seleção brasileira reuniu os jogadores para a preleção, antes da partida contra a União Soviética. No meio do campo – instruiu Feola – Nilton Santos, Didi e Zito, que deveriam trocar passes curtos para atrair a atenção dos russos… Em seguida, Vavá puxaria a marcação da defesa deles caindo para o lado esquerdo e lançaria a bola nas costas do marcador de Garrincha. Garrincha venceria seu marcador e com a bola dominada iria até a área do adversário, sempre pela direita. Na sequência, cruzaria a bola na direção da marca de pênalti. Mazzola, então, viria de frente em grande velocidade e, já sabendo onde a bola seria lançada… emendaria e faria o gol.
Garrincha, com a camisa jogada em cima do ombro, ouvia sem muito interesse a preleção e com sua natural simplicidade perguntou ao treinador:
– “Tá legal, seu Feola… mas o senhor já combinou tudo isso com os russos?”
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Lembrei desta história dias atrás, ao ouvir a fala de um filósofo. Ele dizia – em resumo – que não se deve perguntar “o que será que vai acontecer?” Em vez disso deve-se indagar o seguinte: “o que eu vou fazer para que aconteça aquilo que eu desejo que aconteça”.
Como uma coisa puxa a outra, me veio à cabeça a velha frase, que era tão comum ouvir na infância: “querer é poder”.
“Querer é poder” representava um incentivo, de um lado e do outro lado, valia como uma reprovação. Se a pessoa tivesse sucesso, ficava provada a força do querer. Se a pessoa fracassasse, mostrava que o seu querer não fora suficientemente vigoroso. Tinha que querer mais…
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Acho bonito o que o filósofo diz. Acho bonito pensar que querer é de fato poder. Admiro essa atitude de comando, essa disposição para saber o que se quer e para encarar o desafio de chegar lá. Fazer a hora, em vez de esperar – como ensinava a canção de Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.”
Acho bonito. Mas receio que seja uma verdade pela metade. Receio que a receita não funcione tão bem como todos nós gostaríamos que funcionasse.
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Observo que temos menos poder sobre a vida e sobre o destino do que gostamos de pensar. O mundo gira à revelia de nossa vontade. O mundo não se importa se as viravoltas nos agradam ou desagradam. O mundo não está nem aí para o nosso gosto.
O nosso querer vai até certo ponto e aí encontra o querer dos outros, milhões de outros. O embate entre a minha vontade e a dos outros abre um leque de alternativas. É possível pelear bravamente. É possível tentar comer pelas bordas. Também é possível correr da briga – se a coisa estiver osca demais.
Ou, então, combinar com os russos…