Já escrevi neste espaço sobre “joie de vivre”. Você não lembra, mas naquela ocasião falei que “joie de vivre” – ou alegria/prazer de viver – é uma expressão muito usada para descrever o estilo de vida dos franceses.
Na cultura francesa cada detalhe é observado, cada detalhe ganha destaque. A razão é simples: um único detalhe pode modificar a capacidade de desfrutar a vida. Assim, nada de engolir a comida na frente da TV. É importante arrumar a mesa e organizar o prato com capricho. Nada de enfiar qualquer roupa e sair correndo. As peças devem guardar harmonia entre si e colaborar para o bem-estar do sujeito. Nada de fazer da casa um depósito de móveis. Cabe dispor uma estante, por exemplo, no ângulo em que a luz revele melhor a sua beleza. Cabe deixar a foto no porta-retratos, para receber quem abre a porta ao chegar. Coisas assim.
Joie de vivre não tem a ver com luxo. Tem a ver com dar-se ao tempo de curtir a beleza, o sabor, o som, etc. Ou então, compreender que a quantidade de tempo investido reverte, ou não, em mais satisfação, alegria. Compreender que curtição vale a pena.
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O nosso jeito é marcado pela pressa. A gente não tem tempo para nada. Quase nem tem tempo para viver…
Bem que podíamos levar mais a sério esse tal “joie de vivre” dos franceses. Digo isso, mas bem sei que, para nós, a tarefa é difícil.
Muitos de nós crescemos com a ideia de que viver num vale de lágrimas rende benefícios futuros. Ou então, pensamos que só o útil é importante e que o resto todo é frescura. Tal pensamento pode estar escondido no fundo e, ainda assim, ajudar a aumentar o sufoco da vida. Como se correria e ansiedade aumentassem a sorte.
Quer ver? Há pessoas que exageram ao contar seus desastres e teriam vergonha de falar de alegria e sucesso…
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Isto me faz lembrar a conversa de Asne Seiersad com um velhinho no interior da antiga Iugoslávia. Asne Seiersad é a autora de muitos livros bonitos. “O livreiro de Cabul” é um deles. Mas a conversa a que eu me refiro aparece em outro, “De costas para o mundo”. Asne escuta o homem que perdeu os filhos na guerra, que ficou sozinho na propriedade. O velho conta que sempre ouviu dizer que a infelicidade e as perdas nos deixam mais fortes. Mas tem opinião muito diferente. Fala com a convicção da experiência. Diz que a dor só ensina a sofrer. Diz que a dor embrutece.
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Eu fico pensando que a falta de delicadeza com os detalhes também embrute. Fico pensando que a pressa embrutece. Que a ansiedade embrutece. Que a correria contra o tempo acaba roubando boa parte da graça que o nosso tempo de vida permitiria melhor desfrutar.