Li em algum lugar que haveria encontro de antigos companheiros de quartel. Imaginei a cena. A surpresa dos outrora rapazes olhando uns para os outros. Imaginei que pensariam coisas assim: que fim levaram as melenas que tu penteavas no capricho? Como pode que teu apelido de quartel fosse “taquara”?
E fiquei também pensando que muitos dos atuais leitores do AT podem não conhecer o significado que o quartel um dia teve.
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No ano em que completavam dezoito anos, os rapazes tinham de interromper as atividades e trocar a casa pelo quartel. Iam os que eram convocados, mas nem todos gostavam da ideia. Dos que iam, dizia-se que iam “servir”. Na fala corrente ficava subentendido o complemento “pátria”. Ou seja, os rapazes serviriam a pátria. Isto significava passar meses morando em alguma unidade do exército, para aprender as funções básicas de um soldado. A justificativa era preparar jovens para a defesa do país, mas todo mundo achava que havia mais outro argumento. O quartel era um empurrão que os guris ganhavam para virar homens. Eles aprenderiam a sobreviver em ambiente estranho. Não haveria a comidinha de mamãe, nem o apoio de papai. A dura prática lhes daria noções de hierarquia e de disciplina. Aprenderiam a cuidar de si e da própria roupa. Naquela altura isso não era pouco. A maioria nunca estivera longe de casa e ainda pensava que zelar pelo vestuário era tarefa feminina.
Os jovens da nossa região eram enviados principalmente para municípios da fronteira com o Uruguai. Como as estradas eram ruins e as comunicações precárias, a melhor maneira de enviar e de receber notícias era via correio. Os daqui e os de lá trocavam cartas. Imagina! Cartas!
Aliás, seria muito interessante reunir cartas do quartel num livro.
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Contavam-se muitas histórias do quartel. A maioria dava conta da dureza que os moços suportavam (provavelmente havia exagero nos relatos). Para começar, todos tinham o cabelo cortado rente, à escovinha. Assim, quem estava “servindo” era reconhecido sem precisar abrir a boca. A comida do quartel era um capítulo à parte. Circulavam causos sobre ratos boiando no feijão… e a chance de protestar ali na mesa era igual a zero. Filhinho de papai se dava mal direto e os mais ingênuos sofriam trotes até aprender a se espertar.
Se tudo isso era bem assim, não sei. De todo o modo colaborava para aumentar o prestígio dos que tinham sobrevivido e voltavam gente grande.
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No próximo encontro dos ex-colegas de quartel daria para tirar a limpo muita coisa. Mas quem se encarrega de ouvir as conversas e contar pra nós depois?