Não sei se você usa a palavra “kafkiano”. Se não usa, tomara que nunca precise dela. Melhor seria nem incluir um termo assim ingrato no vocabulário. “Kafkiano” é palavra que descreve situações pra lá de complicadas.
“Kafkiano” deriva do nome Kafka. Franz Kafka é como se chamava um escritor tcheco (1883 -1924), cujos livros contam histórias de gente vivendo em atmosferas de absurdo. Estão como que embretadas e não conseguem achar saída, vivem sensação de pesadelo. São vítimas incapazes de criar alguma solução.
Dá para buscar exemplo no livro “Metamorfose”, escrito pelo mesmo senhor Kafka. O livro conta a história de Gregor Samsa. Gregor tem um emprego que detesta e no qual o cumprimento do horário é implacável. Ninguém pode se atrasar um minuto. Largar o trabalho não entra em cogitação. Gregor precisa do dinheiro, que, aliás, é sempre pouco. Pior ainda! É ele quem sustenta a casa onde mora com os pais e uma irmã. Os outros dependem dele. Gregor Samsa não pode falhar. Não pode falhar no trabalho, não pode falhar com a família, não pode deixar de pagar as contas, não pode fazer o que gosta, nem sabe mais do que é que gosta. Chega em casa exausto e no outro dia já levanta exausto. Ele vive prisioneiro, oprimido pela tensão máxima. E não sabe como escapar.
Uma manhã, Gregor Samsa acorda e vê que se transformou em um inseto.
Isto mesmo. Virou um inseto repelente. Inseto é exatamente como o rapaz se sente. Não há afeto, não há compreensão, não há sentido.
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Estou usando a palavra “kafkiano” porque é num ambiente kafkiano que nos sentimos ao telefonar para certos serviços e pedir atendimento, alteração de contrato, indenizações, etc. Você já teve uma experiência assim? Pois é! Mas há situações piores. Muitos consideram kafkiana a própria vida no Brasil. É deste modo que interpretam as manobras da política que impactam o cidadão indefeso. Alguns chegam a se reconhecer na pele de um Gregor Samsa…
Outras pessoas sofrem torturas kafkianas em relação às suas finanças, no capítulo das relações afetivas ou tudo junto. Falta lógica e faltam horizontes.
Há quem sinta a pressão dos compromissos, o garrote das conveniências sociais, do padrão de vida, da imagem que deseja ter perante os outros, etc., etc.
Tantas coisas podem amarrar, triturar e deixar a sensação de ser inseto… a ponto de a palavra “kafkiano” ganhar um destaque incomum no dicionário – destaque que a gente não queria que tivesse nunca.
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Enfim, cada um sabe onde o sapato (kafkiano) lhe aperta.
Às vezes, não tem solução e o que não tem solução solucionado está. Neste caso, nada resta, além de suportar a tortura do sapato.
Às vezes a solução… é… é jogar o sapato longe.