As transformações provocadas pela pandemia são amplas e afetam a todos de alguma forma. Os casais não ficam imunes aos impactos das mudanças causadas pela doença. Os mais ativos socialmente talvez sejam os que estão sentindo de forma mais acentuada. Afinal, as restrições impedem festas e confraternizações em grupos maiores e muitos momentos de lazer. Além disso, para quem tem filhos, o dia a dia se tornou mais exaustivo, em função da nova rotina escolar, com aulas presenciais escalonadas.
Para muitos casais, a pandemia trouxe a desaceleração da rotina, proporcionando mais tempo juntos. A maior convivência, ao mesmo tempo que reforça vínculos, também expõe diferenças que, às vezes, nem eram percebidas na correria do dia a dia ou então não tinham tanto peso na relação.
Para a psicóloga Noelí Zanotelli, especialista em terapia de casal e família, a pandemia deu uma chacoalhada nos relacionamentos resultando, inclusive, em muitas separações. Ela observa que a dinâmica de cada casal é muito pessoal, indo de acordo com as escolhas de cada um, e que tem sido cada vez mais comum relações onde as pessoas optam por partilhar com o outro apenas alguns momentos, sem o convívio do dia a dia.
Por outro lado, as relações mais tradicionais em que ambos dividem o mesmo teto, partilham a rotina, momentos bons e também os dissabores da vida a dois, são mais desafiadoras, mas proporcionam maior crescimento individual. Noelí defende que se relacionar amorosamente é evolutivo, visto que proporciona a experiência de perceber o outro e a si mesmo como indivíduos diferentes, com sua própria essência, jeito de ver, pensar e sentir. “Eu cresço contigo e você cresce comigo, numa grande troca. Por mais que o casal compartilhe a vida, deve preservar sua individualidade para uma relação saudável”, observa.
A tolerância para com o outro e para com as frustrações também é um desafio para os enamorados. Peça-chave para uma relação sadia, Noelí percebe que o grau de tolerância vem diminuindo. Cada vez é mais comum as pessoas se sentirem ofendidas e ficarem chateadas com os apontamentos do parceiro, ou não conseguir lidar com situações em que o resultado é diferente do imaginado.
Nos seis anos em que atua no atendimento a casais e famílias, a psicóloga tem percebido o crescimento da interferência da internet nas relações. Relata que, às vezes, é comum os parceiros afetivos conversarem com pessoas que estão do outro lado da tela, mas terem dificuldade de dialogar entre si e falar sobre o relacionamento, o que gostam, o que pode ser melhorado, qual o propósito de estarem juntos. Em algumas situações, o silêncio faz parte do processo interno de cada um e precisa ser respeitado, mas em outras, pode representar o medo de expor ao outro o que pensa ou como se sente na relação.
A internet também pode ajudar a criar muitas situações desgastantes, a exemplo das dúvidas por falta de confiança. Não são raros os casos de conflitos entre namorados e casados por causa de desconfianças, por vezes fantasiosas. “Mesmo dentro de um namoro ou casamento, as pessoas são seres individuados. O que é do outro não me pertence. Às vezes isso é fundamentado por uma traição, uma situação real, mas também pode ter muito a ver com a pessoa que não está bem resolvida consigo. Às vezes a pessoa não se vê merecedora de um amor sincero e cria estas situações de fantasias, se colocando em sofrimento”, avalia Noelí, salientando que a terapia é uma excelente ferramenta de auxílio nestes casos.
Entre os mais novos, adolescentes e adultos jovens, os dilemas em torno da sexualidade têm pautado consultas terapêuticas. Casais homossexuais buscam na terapia a força necessária para enfrentar o preconceito e o medo, especialmente da família.
A terapia de casais, explica a psicóloga, não faz qualquer julgamento de certo e errado, culpado e inocente. Quem faz isso é a sociedade. A terapia tenta elucidar os motivos e as necessidades que levam a pessoa a agir de tal forma e uma compreensão maior sobre si mesma e sobre a forma como se relaciona com os demais.
Relações saudáveis
Ao mesmo tempo em que há relações superficiais, há muitos casais que buscam um relacionamento saudável, que proporcione crescimento para ambos. Noelí observa que alguns aspectos são primordiais para qualquer relação saudável, seja amorosa ou de amizade. “Se tudo aquilo que fizer vai me tornar ou fazer a relação ser melhor, tudo bem. Mas se me deixa em dúvida ou causa estranheza, melhor não fazer. Viver com o outro é para me tornar melhor do que já sou”.
Para a psicóloga, também é importante que ambos tenham o entendimento de não esperar que os atos de um deixem o outro feliz. Não é salutar que se faça algo apenas para agradar ao outro. Assim, um fica feliz e o outro frustrado. Na questão do Dia dos Namorados é enfática: “É o meu dia também ou só o dia de agradar a quem estou namorando? Tem que ser bom para ambos”.
Não deixar para amanhã
Por mais clichê que possa parecer, a terapeuta diz que é importante viver no presente, no aqui e agora, sem o peso do passado e a ansiedade do futuro. Reforça que não há necessidade de um dia especial, como o dos Namorados para expressar o amor. “Qual é o dia mais importante da minha vida? É o que estou respirando, vivo. A vida acontece no agora. Não precisamos esperar a ocasião ideal para dar uma flor, fazer um jantar, celebrar estar junto com aquela pessoa especial”.