A arroio-meense Cissa Theves, de 30 anos, apresentou recentemente o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no curso de Relações Internacionais, na Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM, propondo uma análise em torno da Migração venezuelana para o Brasil. Com o título “A intensificação da migração venezuelana para o Brasil a partir de 2015: desafios, xenofobia e crise”, a pesquisa teve como orientador o professor Roberto Rodolfo Georg Uebel.
Conforme Cissa, a pesquisa teve como objetivo traçar uma relação de causa/efeito na crise que a Venezuela vem passando internamente nos últimos anos, a fim de mostrar que não se trata de um fato recente, mas que veio desenrolando-se durante muitas décadas, provando migrações forçadas para todo o mundo, tornando a migração venezuelana no maior êxodo da América Latina atualmente. “Embora a Colômbia seja a maior receptora desse contingente, o Brasil também recebe muitos venezuelanos, que já chegam ao país em situação de extrema vulnerabilidade, sofrendo com a falta de assistência para integração, recebendo ataques xenofóbicos e omissão das instituições e autoridades brasileiras”, descreve.
Sobre o que a motivou para pesquisar sobre o tema, a arroio-meense explica que, embora as migrações sempre tenham ocorrido na história da humanidade, observa-se, atualmente, um crescimento de deslocamentos cada vez maior. “Poucos anos atrás tivemos a Primavera Árabe, invasões do Afeganistão e Iraque, e a Guerra da Síria, que dura a mais de 10 anos. Todos esses conflitos possuem algo em comum: deslocamentos forçados do povo que, sem ter trabalho e, muitas vezes, nem mesmo condições dignas e direitos básicos para sobrevivência, encontram na migração a única opção de um futuro melhor”, conta, ressaltando que esse fenômeno não está centrado somente na região do Oriente Médio. “Por todo o continente americano podemos observar diversos deslocamentos: temos constantes conflitos na Colômbia, o que provoca deslocamentos internos (de uma região para outra) ou externos (para outro país); a crise no Haiti e na Venezuela. Sobre a Venezuela, existe um pouco de vínculo emocional: eu possuo um carinho imenso pelo país, pois foi o meu primeiro destino internacional e onde pude aprender espanhol e sobre outra cultura, onde residi em uma casa de família entre 2014 e 2015”. Cissa enfatiza que, desde aquela época, pessoas já estavam se preparando para migrar. Embora, as migrações venezuelanas não sejam resultantes de conflitos armados, mas sim de uma grave crise interna no ambito político, econômico e social, que veio desenrolando-se durante muitas gestões e sucessivos erros políticos e administrativos, sem esquecer, da interferência externa muito presente nas instituições do país. “Além disso, temos aí, cada vez mais, a confirmação das consequências do aquecimento global: cada vez mais o nível do mar sobe, resultante do derretimento das geleiras, o que consequentemente, conforme previsão de cientistas, fará com que muitas cidades desapareçam. Muito se fala sobre o aquecimento global, e é claro que é essencial falarmos sobre isso e buscar medidas sustentáveis para revertê-lo, mas há outro ponto que não estamos falando: para onde vão essas pessoas quando essas cidades desaparecerem? Ou para onde vai o povo vítima de conflitos armados”, questiona. Para Cissa, todos precisam pensar sobre as migrações pois se trata de uma questão coletiva a nível mundial.
Sobre como foi a realização do trabalho, Cissa Theves explica que foi um estudo prazeroso, que abrangeu temas que sempre gostou antes mesmo de decidir que cursaria Relações Internacionais: política e social. “Para realizar o trabalho, primeiro traçei uma linha histórica sobre a Venezuela, a fim de investigar as causas que levaram o país a estar enfrentando a crise que conhecemos hoje. Posteriormente, realizei entrevistas com migrantes e refugiados que estão no Brasil, busquei entender como eles viam o próprio país enquanto ainda viviam lá, o que os levou a migrar e porque escolheram o Brasil. Chegando ao Brasil, perguntei como viam o país, a assistência que receberam, como foi para encontrar emprego, o que estão achando do momento que o Brasil vem passando na questão política/econômica/social e a xenofobia que enfrentam aqui. Particularmente, foi difícil realizar as entrevistas, porque as histórias são todas muito tristes, todos já foram alvos de ataques xenofóbicos e encontram pouco (ou nenhum) apoio das instituições brasileiras”, relata.
O principal objetivo da pesquisa foi mostrar que a crise da Venezuela vai muito além do que se vê na mídia. “É resultado de muita interferência externa, principalmente dos EUA e grandes corporações, além de erros administrativos que vieram desenrolando-se durante várias gestões”, completa.
Cissa considera curioso pensar que sua geração, que está na faixa dos 20 e 30 anos, cresceu estudando sobre a globalização na escola, sobre um mundo conectado e sem fronteiras, promovendo intercâmbio de culturas, mas que cada vez mais vem passando por um processo que está revertendo esse fenômeno. “Analisando o cenário internacional agora, é curioso observar que esse processo tem se revertido cada vez mais nos últimos anos. Muitos países estão se fechando para entrada de migrantes (exemplo: Hungria, Inglaterra), limitando a entrada ou até mesmo construindo muros, como é o caso dos Estados Unidos. A pandemia de covid acentuou um controle de entrada de migrantes mais rigoroso, na fronteira de diversos países”.
Salienta que a recepção positiva de migrantes tem sido objeto de discussão e promoção de diversas organizações internacionais, que buscam acolher e demonstrar os benefícios de sua presença, tais como a oportunidade de aprender um novo idioma, tolerância ao diferente, intercâmbio de culturas e outras experiências de vida. “Ainda que essas organizações estejam trabalhando incessantemente para uma melhor discussão acerca dos movimentos migratórios, essas não encontram tanto respaldo nas autoridades brasileiras que, por sua vez, pouco têm colaborado ou até mesmo se posicionado de forma contrária à recepção e permanência de migrantes no país. Nesse sentido, seria importante desenvolver ações e atividades, juntamente com as autoridades do país, que possam contribuir para que a população tenha uma percepção positiva acerca da migração, a fim de perceber que a presença dos migrantes não é um problema ou uma ameaça”, enfatiza.
Finalizando, Cissa diz que analisar os desafios enfrentados pelos migrantes venezuelanos é um passo necessário e extremamente essencial para avaliar métodos que possam romper com esse ciclo, pois todos precisam pensar sobre as migrações, que são uma questão coletiva a nível mundial. “Conforme frase que inicia meu trabalho de pesquisa, escrito pela filósofa alemã de origem judaica, Hannah Arendt, que viveu na Alemanha em pleno regime nazista: ‘quem habita esse mundo não é o homem, mas os homens. A pluralidade é a lei da Terra.’”, conclui.