A abertura desta coluna repete o título de um livro publicado em 1938 e de uma novela que a Globo veiculou no ano de 1976.
O livro de que falo – “O feijão e o sonho” – foi escrito por Orígenes Lessa e a telenovela, baseada no livro, teve a direção de Benedito Ruy Barbosa. O livro é curto, mas a novela rendeu. Durante meses, entrou nas casas brasileiras às seis e meia da tarde, mostrando o conflito vivido pelo casal Campos Lara e Maria Rosa. Ele, com a cabeça nas nuvens, andava às voltas com ideias para livros, poemas e artigos de jornal. A ela cabiam os aspectos práticos: a lida da casa, o cuidado dos filhos e o mais difícil de tudo: achar jeito de pagar as contas. O dinheiro era escasso. Não chegava para a comida. Era preciso conseguir comprar fiado no armazém e no açougue. Às vezes, faltava dinheiro para o aluguel. Faltavam roupas, faltavam remédios. As crianças não tinham brinquedos.
Ou seja, a história mostra dois polos em choque: as necessidades da vida concreta versus o gosto pela ação imaginosa e gratuita. Se, por um lado, todo mundo acha bonita uma vida de poeta; por outro, todos sabem que “poesia não dá pro prato”. As queixas de Maria Rosa são bem justificadas, mas os ideais de Campos Lara tampouco parecem ridículos. É por isso mesmo que toda a história vai mostrando as brigas e a tentativa de conciliar as pontas.
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Não vou aqui fazer propaganda do livro. Ele vale principalmente por desafiar a pensar. Como equilibrar o feijão com o sonho – eis a questão. Como aproximar o sucesso da vida prática com o sucesso da dimensão imaterial? Quanta energia comprometer em favor do êxito financeiro e quanto espaço abrir para a faceirice, para a criatividade, para os afetos?
O dilema é parecido com aquele apresentado na fábula da cigarra e da formiga. Você lembra?
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Quem tem certa quilometragem já constatou que não é moleza contrabalançar a gangorra. O mundo, simbolizado pela personagem Maria Rosa, incentiva a concentrar-se em ganhos bem mensuráveis. De outra parte, o mundo simbolizado por Campos Lara mostra que a vida não é só isso que se vê. Mostra que seria uma pena morrer com a conta bancária graúda, tendo a alma magrinha e faminta.
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Fazer o quê? Pender para cá ou para lá?
Multiplicar o feijão? Empanturrar-se de sonho? Arrancar o feijão de dentro do sonho? Espremer do sonho o feijão?
Como dizia o Riobaldo de Guimarães Rosa: “viver é muito perigoso”.